‘A maior parte dos casos de Parkinson não é genética, então é provável que sejam os hábitos de vida’, revela ganhador do prêmio Nobel

Randy Schekman em visita ao Brasil — Foto: Divulgação

Randy Schekman foi surpreendido pelo toque do telefone numa noite de 2013. Atendeu o aparelho em sobressalto e, naquele momento, descobriu que acabara de ser laureado com o Nobel de Medicina ou Fisiologia pelo trabalho na descoberta do tráfego de vesículas, um importante sistema de transporte nas células. O prêmio em questão foi dividido com dois outros pesquisadores, o norte-americano James Rothman e o alemão Thomas Südhof. Quatro anos depois da premiação, Schekman encarou a morte da esposa, Nancy Walls, que morreu duas décadas após o diagnóstico de doença de Parkinson. O avanço da doença, ele conta, foi pouco debelado pelas soluções existentes até a época. Diante desse cenário de poucas soluções, Schekman uniu-se a Sergey Brin (um dos fundadores do Google) e mais a The Michael J. Fox Foundation for Parkinson ‘s Research para criar uma aliança coordenada de pesquisadores em busca de respostas para a doença. O grupo chamado Aligning Science Across Parkinson’s (ASAP), conta com 34 grupos de pesquisa ao redor do mundo.

O laureado esteve no Brasil, no começo da semana, para uma palestra na Universidade de São Paulo (USP) dentro do programa Nobel Prize Inspiration Initiative (NPII), parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e o Nobel Media. Na ocasião, falou ao GLOBO sobre como o diagnóstico da mulher lhe deu outro propósito na carreira de pesquisador e dos avanços na área do Parkinson. “O cenário hoje é muito melhor do que quando minha mulher foi diagnosticada”, conta.

Há alguma razão para ficar otimista sobre o avanço da ciência em torno da doença de Parkinson?
Sim, não vou dizer que é por causa do ASAP, mas em geral há muito trabalho nos genes (que estão relacionados à doença). Há novos medicamentos que foram desenvolvidos por startups que estão em ensaios clínicos. O gene que é mutante em (Sergey) Brin e em sua mãe tem uma propriedade bioquímica em particular que o faz um alvo para o tratamento com medicamentos. Hoje, são 30 empresas diferentes que têm moléculas em estágios iniciais de estudos para esse gene em particular. Acontece que a proteína codificada por esse gene também é afetada em outros tipos da mesma doença (o Parkinson pode ser fruto de diversas alterações biológicas). A esperança é que uma ou mais dessas drogas funcionem não só nas pessoas que têm essa mutação em particular, mas de maneira mais generalista.

Houve avanços desde que sua esposa foi diagnosticada?
O cenário é melhor do que quando minha esposa teve o diagnóstico, no final dos anos 1990. Na época, nós fomos a um instituto de pesquisa onde haviam sido convidados um grupo de pacientes recém-diagnosticados. Lá eles tinham um rapaz falando sobre sua pesquisa, mas era tudo muito primitivo. E eu percebi que não haveria novidades pelo resto da vida dela que tivesse algum valor, e infelizmente foi a verdade.

Como funciona o trabalho da ASAP?
Temos vários times trabalhando juntos, focados em diferentes ângulos, e esperamos que ao menos em um deles tenha novos achados. É importante dizer que todos os nossos esforços estão centrados em ciência básica. Não estamos financiando desenvolvimento de novos medicamentos ou estudos clínicos. Nós só queremos entender o básico, porque uma vez que identificarmos os reais alvos da doença o desenvolvimento de drogas será mais racional do que tem sido.

O senhor acredita, porém, que teremos a chance de encontrar a cura para a doença?
Bem, não existe cura para o câncer. Mas existem muitos tratamentos que são cada vez mais efetivos. Alguns tratamentos, funcionam para mais de um tipo de quadro. A imunoterapia, por exemplo, revolucionou o tratamento de melanoma, mas também ofereceu eficiência para outros tipos de cânceres. Acredito que o melhor que se pode esperar para o Parkinson é que haja um tratamento que funcione para pelo menos para alguns pacientes e que, dessa forma, dê confiança de que outros medicamentos estarão disponíveis para outros subgrupos de pacientes também. Assim como o câncer, Parkinson não é uma doença única, tem que haver múltiplas estratégias de tratamento.

O quão longe estamos de determinar as verdadeiras causas do aparecimento da doença?
Esse é um grande desafio porque a maior parte dos casos não é (de causa) genética, então é provável que sejam hábitos pessoais e ambiental. Há algumas pessoas em certas indústrias que têm uma incidência muito alta e maior de Parkinson porque estão lidando com um produto químico tóxico específico, mas a exposição a esse produto químico pode não ser tão grande na população em geral, então é difícil dizer o que é realmente a causa.

O senhor já chegou a dizer que o Parkinson é uma pandemia. Por quê?
Porque está aumentando em incidência mais rapidamente do que o Alzheimer. A incidência entre cidadãos chineses é muito alta, estima-se. A China não representa metade da população mundial, mas estima-se que mais da metade dos casos surgirão na China. É um país que tem um problema sério com poluição do ar. E talvez esteja relacionado a isso. Não sei.

Essa não é exatamente sua área de atuação, mas quais são os sinais de alerta que deveríamos ter em relação ao Alzheimer?
Um dos sintomas é ter problemas com o olfato. Outro é o chamado distúrbio do sono REM (pessoa que fala e se move com intensidade com resposta ao sonho). Então, pessoas que têm isso, 80% ou mais delas progridem para Parkinson em poucos anos. Para pessoas que começam a apresentar sintomas, eu diria para aumentar seu regime de exercícios. E a razão para dizer isso é que há um pesquisador que ainda não está em nossa rede (ASAP), mas que eu conheço muito bem, descobriu alguns anos atrás um pequeno hormônio peptídico chamado irisin que é induzido durante exercícios vigorosos. Ele circula no sangue, e seu nível aumenta com esse esforço. Esse peptídeo pode talvez atrasar a neurodegeneração da doença. Esse pesquisador tem uma startup e algum investimento, e vou acompanhar essa história bem de perto.

Fonte: O Globo

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