Quando o estresse deixa de ser normal e vira um risco para a saúde

Irritabilidade, ansiedade constante, dificuldade de concentração e lapsos de memória estão entre os indicativos de um quadro de estresse crônico Foto: lassedesignen/Adobe Stock

No trânsito parado, na fila do supermercado, diante de uma agenda lotada de compromissos ou ao receber uma notícia inesperada. Situações corriqueiras como essas podem provocar reações imediatas no organismo: o coração dispara, a respiração acelera, a atenção aumenta e os músculos ficam tensos. Essa resposta rápida, conhecida como estresse agudo, é natural, saudável e necessária, pois nos prepara para enfrentar desafios e ameaças, mobilizando o corpo para reagir. O problema surge quando essa reação deixa de ser pontual e se torna constante. Quando isso acontece, estamos diante do estresse crônico, uma condição silenciosa que mina a saúde física e mental e que, por isso, precisa ser reconhecida e tratada.

“Nosso organismo foi desenhado para lidar com o estresse. Em uma situação desafiadora, o cérebro responde com luta, fuga ou congelamento. Mas quando esse estado de alerta se prolonga por semanas ou meses, ele deixa de ser um mecanismo de proteção e se transforma em um fator de desgaste”, explica a médica Sley Tanigawa Guimarães, cofundadora do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.

Enquanto no estresse agudo o metabolismo volta ao normal em até 90 minutos após o fim do estímulo (como depois de um susto, uma batida de carro ou até uma boa surpresa como dar o primeiro beijo), o estresse crônico é resultado da soma de estímulos contínuos do dia a dia: contas a pagar, preocupações com os filhos, sobrecarga no trabalho, relações desgastantes ou a pressão por desempenho.

“O ideal é o organismo vivenciar a reação e dar tempo para retornar ao estado de repouso. O que acontece no estresse crônico é que vamos acumulando estímulos constantes e, muitas vezes, a pessoa nem percebe que está nesse estado”, diz Sley.

Nessas condições, o sistema nervoso simpático permanece ativado e o corpo segue produzindo altos níveis de cortisol e adrenalina, hormônios associados à resposta ao estresse. Essa ativação prolongada pode alterar o sistema imunológico, aumentar a pressão arterial, prejudicar o sono e abrir caminho para doenças cardiovasculares, metabólicas e psiquiátricas.

“Precisamos prestar atenção à intensidade e ao tempo em que esse estresse está nos afetando”, alerta a médica. “Apesar de não existir um número mágico, quando o estresse persiste por mais de 30 dias, já é considerado crônico”, completa.

Como identificar?

Reconhecer o estresse crônico nem sempre é simples, já que ele muita vezes se disfarça em sinais e sintomas como irritabilidade, ansiedade constante, dificuldade de concentração e lapsos de memória. Também podem surgir manifestações físicas, como dores musculares, dor de cabeça, problemas gastrointestinais, queda de cabelo, alterações no apetite e no sono (seja insônia ou sono excessivo).

A perda de interesse por atividades antes prazerosas e o isolamento social também são indicativos importantes. “É comum as pessoas associarem esses sintomas a cansaço ou à rotina puxada e ignorarem o quadro. Mas quando eles persistem e começam a comprometer a vida pessoal, social ou profissional, é hora de buscar ajuda”, ressalta Sley.

Outro ponto importante é a influência dos determinantes sociais sobre o estresse. Pessoas em situação de vulnerabilidade, por exemplo, enfrentam fatores estressores com mais frequência – seja pela falta de segurança, por questões de saúde, dificuldades financeiras ou acesso limitado a serviços básicos.

“A vulnerabilidade é um fator muito importante quando falamos de estresse. Essas pessoas estão constantemente expostas a situações de tensão sem perceber”, afirma o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

Segundo Bernik, evitar o estresse é impossível – ele é essencial à sobrevivência. “Existe um mito de que todas as fontes de estresse ativam o organismo da mesma maneira, mas isso não é verdade. Temos um sistema cerebral de defesa que regula as respostas às ameaças e prepara o corpo de formas diferentes conforme a natureza do perigo”, explica, lembrando que a reação é saudável e necessária em situações agudas. “Uma reação robusta a um evento estressor é sinal de saúde. Essas respostas visam à sobrevivência imediata, não ao bem-estar ou à saúde em longo prazo. O problema é quando essa ativação se mantém constantemente.”

Impactos na saúde

Esse estado de estresse contínuo tem impactos importantes no organismo. A ativação prolongada do sistema nervoso autônomo eleva o risco de doenças cardiovasculares (entre elas hipertensão, infarto, arritmias e acidente vascular cerebral), aumenta os níveis de açúcar no sangue e de colesterol “ruim” e prejudica o metabolismo energético.

A exposição constante ao cortisol também dessensibiliza as células do hipotálamo e altera a resposta imunológica, provocando inflamação crônica, prejuízo cognitivo e maior vulnerabilidade a infecções. “Embora agudamente o estresse aumente a resposta imunológica, cronicamente ele é imunossupressor”, afirma Bernik.

Por isso o estresse tem um papel relevante no desenvolvimento e agravamento de condições como depressão, psoríase, dores crônicas, problemas gastrointestinais e até câncer.

Os sinais de alerta incluem dificuldade de pensar com clareza, esquecimentos frequentes, preocupação constante, bloqueios criativos e indecisão. Também podem surgir sintomas emocionais e sociais, como perda do sentido da vida, apatia, redução da empatia, isolamento e intolerância.

Diante disso, Sley ressalta que reconhecer o problema e buscar tratamento é fundamental. O acompanhamento psicológico ou psiquiátrico ajuda a identificar as causas e a desenvolver estratégias de enfrentamento.

Em alguns casos, o uso de medicamentos pode ser necessário. Mas mudanças no estilo de vida também são parte essencial do processo: praticar atividade física regularmente, manter uma alimentação equilibrada, dormir bem e reservar tempo para lazer e convivência social ajudam a reduzir a carga de estresse e fortalecem a resiliência.

“Tão importante quanto incluir hábitos saudáveis é aprender a estabelecer limites. Dizer ‘não’ quando necessário, delegar tarefas e desconectar-se do trabalho fora do expediente são atitudes que fazem diferença”, pontua Sley. Técnicas de relaxamento, como respiração consciente, meditação e mindfulness, também podem ser incorporadas ao dia a dia, junto com a reorganização da rotina, priorizando o que realmente importa.

“Muitas vezes, o estresse crônico está relacionado à dificuldade de lidar com demandas que ultrapassam nossa capacidade real. Rever expectativas e aceitar que não é possível dar conta de tudo é um passo importante”, diz Sley. Ter um repertório de atividades que tragam prazer – como ouvir música, dançar, ler, passear com um animal de estimação ou encontrar amigos – também contribui para recarregar as energias e manter o equilíbrio.

Bernik acrescenta que, se a pessoa não tem nenhuma doença diagnosticada, mas se sente estressada, cansada e sem disposição, vale adotar medidas preventivas para evitar o adoecimento. “Práticas de medicina do estilo de vida ajudam a reduzir o impacto do estresse e fortalecem o organismo”, diz. Por outro lado, se o estresse já está contribuindo para o surgimento ou agravamento de problemas de saúde, é fundamental intervir o quanto antes, buscando ajuda profissional.

Fonte: Estadão

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