Por que o horário em que tomamos os medicamentos é importante?

O horário de tomar o remédio não é apenas um detalhe, mas a chave para um melhor funcionamento do tratamento — Foto: Freepik

Longe de parecer uma simples regra, a ciência demonstrou que o horário de administração de um medicamento pode determinar a eficácia do tratamento. Esse campo de estudo é chamado de cronofarmacologia e está revolucionando nossa compreensão da relação entre medicamentos e o nosso organismo.

A cronofarmacologia é um ramo da farmacologia que estuda como os efeitos dos medicamentos variam de acordo com nossos ritmos biológicos. Esse “relógio central” do corpo humano está localizado no cérebro (especificamente em uma área chamada núcleo supraquiasmático) e regula processos que se repetem ciclicamente.

Existem diferentes tipos de ritmos: os circadianos que se repetem a cada 24 horas, como a secreção hormonal; infradianos que se estendem por mais de 24 horas, como os ciclos menstruais; e os ultradianos que se repetem em menos de 24 horas, como a frequência cardíaca.

Os ritmos circadianos afetam a secreção de hormônios como o cortisol, os hormônios da tireoide e os estrogênios, além de influenciarem as flutuações diárias normais da pressão arterial, da atividade do sistema imunológico e da atividade celular.

O corpo como um relógio biológico

A existência desses ciclos diários é particularmente relevante no tratamento de doenças crônicas, em que os medicamentos precisam entrar no organismo e fazer efeito de acordo com uma dosagem específica: a cada oito horas, a cada doze horas, logo ao acordar ou após o jantar. Aliás, essa informação é obrigatória e deve constar em todas as prescrições.

Para que um medicamento exerça seu efeito por um determinado período de tempo, o organismo realiza uma série de processos sobre ele – liberação, absorção, distribuição, metabolismo e eliminação – que, em conjunto, são conhecidos como farmacocinética.

Por outro lado, o medicamento exerce seu efeito correspondente no organismo quando atinge o local de ação ou “alvo terapêutico”. Isso é chamado de farmacodinâmica.

Em outras palavras, tomar um medicamento pela manhã não é o mesmo que tomá-lo à noite. O corpo não o processa da mesma maneira e, portanto, seu efeito pode variar consideravelmente dependendo do horário da ingestão.

Um dos casos mais estudados é o dos medicamentos usados ​​para tratar a hipertensão. Diversos ensaios clínicos demonstraram que tomar pelo menos um desses medicamentos à noite — em vez de todos pela manhã, como era feito tradicionalmente — reduz o risco de eventos cardiovasculares, como AVC ou infarto. O estudo da Mapec, com mais de 2.000 pacientes, confirmou isso em 2010.

Outro exemplo clássico são os medicamentos para baixar o colesterol, como as estatinas. As estatinas de ação curta — ou seja, aquelas que atuam por um período mais curto e são eliminadas mais rapidamente, como a sinvastatina — são mais eficazes quando tomadas à noite, quando o fígado produz mais colesterol.

Com os corticosteroides, que são muito úteis em situações que envolvem inflamação ou processos autoimunes, a cronofarmacologia também tem implicações práticas. Observou-se que a administração pela manhã, quando o corpo produz naturalmente mais cortisol, reduz os efeitos colaterais. E no estudo Capra-1, realizado com pacientes com artrite reumatoide, demonstrou-se que uma formulação de liberação prolongada, tomada à noite, proporcionou melhor alívio da dor matinal característica dessa condição.

A quimioterapia também se beneficia da abordagem cronobiológica. Por exemplo, no câncer colorretal, foi demonstrado que a administração de certos agentes, como a oxaliplatina, em horários específicos do dia melhora a tolerância e reduz os efeitos adversos, devido aos ritmos circadianos de proliferação celular e atividade enzimática.

Mesmo em pessoas com asma, cujos sintomas pioram à noite, ajustar o horário de administração de medicamentos inalatórios, como broncodilatadores ou corticosteroides, pode melhorar o controle clínico.

Vacinas

Embora muitas vezes receba menos atenção, as vacinas também estão sujeitas aos ritmos circadianos. Um estudo publicado na revista Vaccine mostrou que adultos mais velhos que receberam a vacina contra a gripe pela manhã apresentaram uma resposta melhor do que aqueles vacinados à tarde.

Resultados semelhantes foram observados com outras vacinas, como a vacina contra hepatite A ou mesmo algumas vacinas contra COVID-19, especialmente em idosos ou pessoas com sistema imunológico enfraquecido. Acredita-se que isso ocorra porque células-chave do sistema imunológico, como linfócitos T ou células apresentadoras de antígenos, são mais ativas em determinados horários do dia.

Não se trata apenas de eficácia, mas também de segurança. Adaptar a administração de medicamentos aos ritmos biológicos pode reduzir a ocorrência de reações adversas, que devem ser relatadas por profissionais de saúde e também podem ser comunicadas ao público. Além disso, essa abordagem promove um uso mais racional de medicamentos, evitando doses desnecessárias e otimizando os resultados terapêuticos.

A cronofarmacologia ainda é uma disciplina jovem, mas seu potencial é enorme. À medida que nossa compreensão dos ritmos biológicos se aprofunda e novas tecnologias são desenvolvidas para monitorar o relógio biológico de cada pessoa, abre-se a porta para a medicina personalizada, onde não apenas o medicamento prescrito importa, mas também o momento em que é administrado.

Resumindo, da próxima vez que profissionais de saúde ou da indústria farmacêutica lhe disserem um horário específico para tomar um medicamento, lembre-se de que não se trata apenas de um detalhe: pode ser a chave para que o tratamento funcione melhor e com menos riscos.

Fonte: O Globo

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