Medo de descobrir doenças tem nome: conheça o FOFO, fenômeno que afasta as pessoas de exames

O medo cresce cada vez que a pessoa com FOFO evita o exame. Foto: Nicoletaionescu/Adobe Stock

Evitar exames preventivos costuma ser explicado pela falta de tempo, pela rotina corrida ou pelo desconforto com procedimentos médicos. Mas, por trás da agenda cheia, existe um componente emocional frequentemente subestimado: o medo de descobrir um problema de saúde. A crença que sustenta esse medo aparece em frases do dia a dia, como o popular “quem procura acha”. A ideia de que é melhor não mexer no que está quieto, o receio de ter a vida alterada por um diagnóstico e o desconforto antecipado com a consulta compõem um fenômeno que ganhou nome: FOFO — fear of finding out, ou medo de descobrir.

Milena Sabino Fonseca, psiquiatra da Rede D’Or em São Paulo, explica que o FOFO acontece porque o cérebro tenta nos proteger do medo. “Quando a pessoa imagina a possibilidade de uma má notícia, isso gera muita ansiedade e, para reduzir esse desconforto, ela evita o exame. Essa fuga traz um alívio imediato e o cérebro o interpreta como uma recompensa”, diz.

Mas, a cada vez que a pessoa evita a situação, o medo cresce e o exame fica mais difícil de encarar. Esse ciclo se alimenta de fatores comuns: intolerância à incerteza, tendência a imaginar o pior e lembranças traumáticas de problemas de saúde na família. “Tudo isso faz com que a pessoa saiba racionalmente que o exame é importante, mas emocionalmente não consiga se aproximar dele”, avalia.

Os exames mais evitados

Segundo Leticia Jacome, clínica geral do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, os exames mais evitados são justamente aqueles que têm maior chance de revelar diagnósticos relevantes. Entre eles, destacam-se a colonoscopia, os exames ginecológicos e a mamografia, a rotina urológica e os testes para HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis.

“A colonoscopia, em particular, é evitada tanto pelo medo de descobrir algo sério quanto pelo desconforto imaginado com o preparo e a sedação. Já na rotina urológica, o receio do exame de toque ainda é um grande fator de resistência, alimentado por tabus e desinformação”, afirma.

Além disso, existe uma percepção de que alguns exames seriam invasivos ou dolorosos, quando na realidade muitos procedimentos são simples, pouco agressivos ou minimamente invasivos, e esses receios podem ser superados quando há explicação clara e orientação adequada.

Quando a fé vira escudo

Entre os fatores que sustentam o FOFO, Milena destaca uma dimensão ainda pouco discutida: a religiosa. A ideia de “se eu tiver algo, é porque Deus quis” pode servir como consolo, ao transferir a responsabilidade para algo maior e reduzir a pressão da decisão.

“O problema surge quando isso se torna uma forma de evitar a realidade: a fé passa a funcionar como um escudo emocional, e a pessoa adia exames não por tranquilidade, mas por medo do que pode descobrir. Nesses casos, a crença substitui o autocuidado, dificultando a busca por prevenção e tratamento”, alerta.

O preço do atraso

O atraso tem efeitos concretos. “Qualquer diagnóstico, quando postergado, acaba nos colocando diante de uma situação de maior gravidade: tratamentos mais agressivos, mais custosos, mais prolongados e com menor chance de cura”, ressalta Marcos Rienzo, cardiologista e gerente médico do Hospital Sírio-Libanês.

A presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Angélica Nogueira, vê esse impacto com nitidez. “Tumores que poderiam ser diagnosticados em fases iniciais, especialmente de mama e próstata, ou evitados, como de colo do útero e intestinal, são frequentemente encontrados em estágios avançados”, diz. “O diagnóstico tardio significa perda da janela de oportunidade em que o câncer é mais tratável e menos incapacitante”, completa.

No caso da cardiologia, “diagnósticos precoces permitem tratar e evitar complicações graves, como infarto, AVC (acidente vascular cerebral), aneurismas e insuficiência cardíaca”, diz Rienzo.

A lógica vale também para infecções sexualmente transmissíveis: testes simples, como exames de sangue, quando feitos no tempo certo, evitam complicações e transmissão.

Como quebrar o ciclo

Quebrar o ciclo de evitar exames envolve reconhecer o medo e criar condições para agir apesar dele. Entender a finalidade do exame, o que será feito e o passo a passo costuma diminuir a antecipação negativa que sustenta a evasão. Uma postura ativa diante das dúvidas também ajuda: fazer perguntas ao médico que solicitou o exame, conversar com o profissional que vai realizá-lo e pedir explicações sobre os resultados esperados reduz fantasias catastróficas.

Pequenas estratégias também podem tornar a experiência mais confortável. Algumas pessoas se beneficiam de estímulos sensoriais que desviam a atenção, como usar uma venda nos olhos ou ouvir música — e muitos laboratórios já oferecem essas opções. Ter confiança no lugar e na equipe faz diferença: visitar o local antes do procedimento, conhecer quem vai realizar o exame ou escolher um ambiente familiar costuma trazer segurança. E, se a ansiedade estiver muito intensa, vale avisar o médico ou o responsável para discutir o uso de um tranquilizante, quando indicado.

Para quem quer ajudar um familiar ou amigo, o conselho é: menos cobrança e julgamento, mais suporte. “Oferecer apoio prático, como marcar a consulta ou acompanhar no dia, é mais útil do que discursos motivacionais”, enfatiza Leticia.

Fonte: Estadão

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