Especialista reflete sobre impacto de nova lei que proíbe celulares nas escolas na educação e saúde mental

No início do ano, o Brasil deu um passo significativo ao proibir o uso de celulares e dispositivos eletrônicos por alunos em escolas, gerando uma ampla discussão sobre as políticas educacionais e seu impacto na sociedade.

A medida sancionada pela Lei 15.100/25 procura restaurar a concentração acadêmica e melhorar as interações sociais no ambiente escolar. No entanto, tanto a implementação da lei quanto seus potenciais efeitos estão sob escrutínio.

Especialistas em educação, como a psicóloga Renata Camargo, têm discutido os impactos dessa mudança nas escolas e a necessidade de uma abordagem educativa para lidar com a transição. Ela sugere que, embora a proibição possa apresentar benefícios, a sua eficácia dependerá de um ajustamento cuidadoso por parte de todos os envolvidos na comunidade escolar.

Celular proibido nas escolas: na sua opinião, a medida é um passo positivo? Exige preparo das instituições de ensino e das famílias para que os benefícios sejam amplamente sentidos?

Percebo como uma medida desesperada frente a um cenário de descontrole no ambiente escolar. A meu ver, toda regra unilateral, rigidamente imposta, gera desconforto e revolta antes mesmo que se possa estabelecer qualquer aprendizado. Viemos de uma época (pandemia), na qual se precisou inserir todos os alunos, sem exceção, no digital. Esta foi a única maneira de conseguir que todos continuassem aprendendo, cada um do seu jeito, num momento de muita tensão social. Foi incorporado desde então o celular no ambiente escolar, como parte integrante do todo.

Hoje lidamos com o excesso. Para lidar com o excesso, não me parece produtivo ir para o estremo oposto. Sem dúvidas esse excesso precisa ser trabalhado, em conjunto (escola e família), para que se tenha algum resultado positivo. Porém, também venho percebendo que os dois lados comportam-se com excessos. Por um lado temos atitudes extremas de professores que perderam o pulso com os alunos, e de outro lado, uma atitude muito permissiva dos pais, validando os desejos dos filhos e retirando da escola a autoridade necessária para a resolução de problemas. Ambos os lados precisam ser trabalhados.

Qual o impacto do uso de aparelhos no desenvolvimento social e emocional?

Antes de compreender o impacto social e emocional precisamos pensar no desenvolvimento cerebral: o cérebro humano não possui a habilidade multitarefas, por mais que se pense que sim. Esta é a mesma justificativa para não se usar celular quando se está dirigindo. O cérebro do adolescente está em desenvolvimento e, sabendo que esta é a fase de maior possibilidade de estímulo de áreas cerebrais, um aluno sem foco restringe consideravelmente seu potencial de desenvolvimento cognitivo.

Portanto, é inegável que o uso “excessivo” dos celulares nas escolas atrapalham na concentração e foco nos estudos, causando muitos impactos na aprendizagem. Por outro lado, é preciso lembrar que o ser humano é um ser bio-psico-social, ou seja, um desenvolvimento completo engloba também o emocional e o social.

Para desenvolver plenamente, o adolescente precisa completar as tarefas de amadurecimento da adolescência, tarefas estas nada fáceis, porém imprescindíveis para chegar a idade adulta com funcionamento saudável. Uma delas, talvez socialmente a mais importante, é reconhecer regras sociais, adaptando-se, mesmo que a contragosto. Neste sentido é preciso reconhecer a importância das escolas possuírem o caráter de autoridade externa, com regras a serem cumpridas.

E avaliando a questão pelo lado social, temos dois pontos importantes: de um lado temos a importância incontestável das relações e socializações reais / off-line para o adolescente. Vale lembrar que um grande marcador de saúde mental é medida pela qualidade de suas relações, e é na adolescência, geralmente na escola, que este aprendizado acontece.

Porém, por outro lado, os jovens estão no digital, os amigos se falam em grupos de WhatsApp, as relações se estabelecem fortemente nas redes sociais. É preciso entender que o caminho é ensinar a se relacionar e a surfar a onda do digital com segurança e educação digital.

Investir em programas de conscientização sobre o uso equilibrado da tecnologia seria um caminho?

Sim. Precisamos investir na educação digital. O objetivo da educação digital não é só ensinar quando usar e qual o limite de tempo permitido. Uma educação digital eficiente visa preparar o adolescente a lidar com:

  • A exposição
  • A segurança de dados pessoais
  • A diferença entre assuntos públicos e assuntos privados
  • O cyberbullying
  • A educação
  • As relações tóxicas (aprendendo a avaliar tanto as ações do outro como as próprias ações)
  • As comparações com ideais de vida perfeita, entre outros.

Acredita que os professores sejam capacitados para lidar com as mudanças?

Não. Os professores também precisam de ajuda. Está cada vez mais difícil de trabalhar com grupos adolescentes. Acredito que deva ser feito um trabalho de capacitação para que eles consigam aplicar a educação digital em seus alunos. Mas também acredito que deva ser feito um trabalho com as famílias, para compreenderem a importância de validar a autoridade escolar.

Qual é a importância do papel da tecnologia na educação e limites necessários para equilibrar avanço tecnológico e desenvolvimento humano?

Sabe-se hoje que a aprendizagem se baseia no desenvolvimento de inteligências múltiplas e estímulos de áreas cerebrais. Antigamente se falava em habilidades natas, hoje sabemos que estas habilidades são estimuláveis e capazes de serem desenvolvidas.

A tecnologia impulsiona o desenvolvimento e estimula habilidades necessárias para que qualquer indivíduo tenha colocação no mercado futuro de trabalho… este é um ponto fundamental a ser trabalhado, tornando-a imprescindível para qualquer desenvolvimento.

Nossos adolescentes nasceram na era smartphone, negar esta tecnologia para eles se assemelha a negar o email para nossa geração. Vocês conseguem imaginar termos que escrever cartas para nos comunicarmos atualmente? Eu, de verdade, acho impraticável.

O caminho está em encontrar o equilíbrio, estimulando na mesma proporção o online e o offline e, sempre que possível, aliando a tecnologia a este processo.

Fonte: O Globo

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