A dengue deve continuar em um patamar elevado em 2026 no Brasil. Segundo uma projeção matemática de especialistas, entregue ao Ministério da Saúde, são esperados 1,8 milhão de casos na próxima temporada, que começa agora e vai até outubro do ano que vem. O cenário é melhor que o de 2024, quando o país bateu o recorde de 6,5 milhões. Porém, caso se confirme, será o segundo ano com mais diagnósticos da série histórica, que teve início em 2000.
A estimativa é resultado do InfoDengue–Mosqlimate Challenge, uma iniciativa que mobilizou 52 pesquisadores de 15 equipes pelo mundo para desenvolver modelos preditivos da doença no Brasil e auxiliar o governo e outros agentes no enfrentamento à arbovirose. As previsões foram unificadas em um modelo único pelo coordenador do projeto e professor da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (EMAp/FGV), Flávio Coelho.
Com base nas estimativas, 2026 será o quinto ano consecutivo em que o país ultrapassa a barreira de um milhão de casos. Além disso, em todos os últimos quatro anos, a dengue também provocou de forma inédita mais de mil mortes, chegando ao recorde de 6,3 mil em 2024.
Neste ano, até o último dia 4, o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde mostra que foram 1.622.756 de infecções contabilizadas e 1.702 óbitos pela doença. De acordo com a pasta, 55% dos casos estão concentrados no Estado de São Paulo.
O modelo prevê que, no ano que vem, novamente a região Sudeste seja o principal foco do vírus, com 65% a 70% dos casos. Para o estado paulista, porém, a estimativa é que a incidência caia pela metade. Na outra ponta, no Tocantins, a projeção é que a taxa dobre. Em 13 estados e no Distrito Federal, o cenário deve ser pior em 2026 do que em 2025.
— O modelo aponta para um ano epidêmico para dengue em 2026 muito similar de 2025, em termos nacionais. Nos estados, esperamos uma redução da incidência na maior parte daqueles do Sul e Sudeste, com exceção de Santa Catarina e Minas Gerais. No Nordeste, esperamos uma incidência de dengue um pouco mais elevada também. De maneira geral, a restante do país deverá ter índices muito parecidos aos observados neste ano — diz Coelho.
Leonardo Bastos, coordenador do InfoDengue Fiocruz e professor da instituição, que participou da iniciativa, também imagina que o ano que vem será provavelmente semelhante ao de 2025. Ele lembra que a tendência é que locais que tiveram muitos casos vejam uma redução da doença:
— 2024 foi um ano sem precedentes, disparado o pior que já tivemos. 2025 também foi ruim, embora tenha diminuído. Acredito que 2026 será um ano parecido. Ainda vamos ver algumas epidemias espalhadas. Mas lugares que tiveram surtos muito grandes não esperamos que tenham uma nova alta porque há uma certa proteção, exceto se houver uma chegada de um novo sorotipo do vírus.
Essa vigilância sorológica é importante porque a infecção por um dos 4 tipos do vírus da dengue confere proteção apenas contra uma nova contaminação pela mesma versão. Logo, a pessoa continua suscetível caso outro sorotipo comece a circular na região, e uma segunda infecção costuma ser mais grave. Geralmente, as epidemias no Brasil são causadas pelos tipos 1 e 2. Um temor é a circulação do sorotipo 3.
A especialista em arboviroses Joziana Barçante, coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica e do Setor de Prevenção de Endemias da Universidade Federal de Lavras (UFLA), reforça que, mesmo que os casos no ano que vem não explodam como ocorreu em 2024, o patamar em que eles estão agora ainda é elevado e de preocupação:
— Se observarmos desde os primeiros casos identificados de dengue, lá na década de 80, temos uma curva epidemiológica crescente no país. No período em que estamos agora, o que temos observado é um patamar elevado que acende um alerta para não descuidarmos. Se pegarmos os dados epidemiológicos do país, vemos que alguns estados já estão acima da média. Tem uma luz vermelha de que podemos ter um cenário preocupante de novo.
Entre os fatores que explicam o aumento nas últimas décadas da dengue no Brasil, estão as mudanças climáticas e o aumento das temperaturas, que favorecem a expansão do mosquito vetor da doença, o Aedes aegypti, diz Bastos:
— Elas levam a doença a regiões que não tinham dengue, mesmo em locais bem ao Sul. Quando chega o mosquito e o vírus nesses lugares, com uma população que não tem nenhum nível de proteção, temos surtos importantes. Nós descrevemos recentemente um caso no Sul da Argentina, o mais ao Sul que o vírus já chegou. E, em 2024, tivemos o El Nino, fenômeno que mexeu no clima de uma forma que favoreceu o mosquito.
Joziana cita que 20 países europeus têm hoje circulação do Aedes aegypti. E que agora praticamente todo o território do Brasil tem condições favoráveis à proliferação do mosquito. Os estados da região Sul, por exemplo, que não relatavam muitos casos de dengue, estão entre os com maior incidência da doença neste ano no país.
Além disso, a especialista cita como fatores o aumento do uso de embalagens plásticas, que favorecem o acúmulo de água e funcionam como criadouros para o mosquito, e o impacto da desigualdade social, que leva 49 milhões de pessoas a não terem esgotamento sanitário no Brasil, segundo o último Censo Demográfico do IBGE.
— Isso contribui para água armazenada, formação de poças, espaços que favorecem pequenos volumes de água e a proliferação do inseto. Sabemos hoje que 70% dos criadouros estão nas casas das pessoas. Então é uma soma de fatores de causas humanas e ambientais que tem levado à expansão da doença — diz.
O cenário reforça a importância de seguir as recomendações para evitar a proliferação dos mosquitos que disseminam a dengue. Especialmente enquanto a vacinação ainda é limitada e, por isso, não impacta de forma significativa a incidência da doença.
— Por enquanto, a vacinação ajuda os subgrupos que estão a recebendo, conferindo uma proteção a nível individual, mas ainda é um pedaço muito pequeno da população, então não temos efeito a nível populacional. Ela é muito importante, mas para 2026 ou 2027 ainda não devemos ter um efeito da vacina se diminuir ou não os casos — diz Bastos.
Nova campanha e esforços para 2026
Frente ao início da nova temporada de dengue, o Ministério da Saúde lançou, na última segunda-feira, a campanha nacional de enfrentamento às arboviroses. A pasta anunciou R$ 183,5 milhões para ampliar o uso de tecnologias como as Estações Disseminadoras de Larvicidas (EDL), armadilhas que impedem o desenvolvimento de larvas do mosquito, e o método Wolbachia, que cria insetos que carregam uma bactéria que impede o desenvolvimento dos vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
A expectativa da pasta é expandir o método, presente em 12 municípios, para mais 70 cidades, 13 delas ainda neste ano. “Em julho, foi inaugurada em Curitiba (PR) a maior biofábrica de Wolbachia do mundo, com capacidade para produzir 100 milhões de ovos por semana. Em uso no país há mais de dez anos, o método teve sua aplicação ampliada desde 2023, com resultados positivos. Em Niterói (RJ), primeiro município totalmente coberto, os casos de dengue caíram 88,8%”, diz o ministério em nota.
Já sobre a vacinação, a pasta aposta na aprovação do novo imunizante em dose única desenvolvido pelo Instituto Butantan até o fim deste ano para incorporá-lo à campanha nacional no ano que vem e expandir o público-alvo. Para isso, foi firmada uma parceria com a empresa chinesa WuXi Biologics, que terá capacidade para produzir ao menos 40 milhões de vacinas a partir de 2026. O Butantan já disse ter a expectativa de que sejam produzidas 100 milhões de doses nos próximos dois anos.
Em nota, a Anvisa diz que, desde a submissão do pedido para aprovação, em fevereiro, houve algumas solicitações de mais informações e dados complementares, algo comum no processo de análise. A última foi atendida pelo Butantan em 14 de outubro. “A documentação apresentada está sendo avaliada pela área técnica para que possa ser discutido com o instituto os encaminhamentos necessários para o prosseguimento do processo de registro”, afirma a autarquia.
Enquanto isso, a campanha de vacinação, inédita no mundo e que teve início em 2024 com a Qdenga, imunizante japonês desenvolvido pela Takeda, é restrita a crianças e adolescentes de 10 a 14 anos em 2.752 municípios com maior risco para a doença. Isso porque o laboratório tem capacidade limitada de produção de doses. Até outubro deste ano, já foram enviadas mais de 10,3 milhões de doses, e há mais 9 milhões previstas para o ano que vem. Duas aplicações são necessárias para conferir proteção.
Fonte: O Globo


