Alerta: a reportagem abaixo trata de temas como suicídio e transtornos mentais. Se você está passando por problemas, veja ao fim do texto onde buscar ajuda.
Nem sempre quem pensa no suicídio dá sinais evidentes disso. Em muitos casos, o sofrimento se revela em alterações sutis na rotina, no convívio social ou nas falas. Estar atento a esses indícios é fundamental para abrir caminho para o diálogo e incentivar a busca por atendimento especializado.
De acordo com Larissa Fonseca, psicóloga clínica e integrante da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), os sinais podem se apresentar de diferentes formas. “A pessoa começa a se isolar, deixa de querer fazer atividades que antes gostava e passa por uma mudança brusca de comportamento. Pode ficar muito irritada ou, em outros momentos, demonstrar desinteresse, apatia, aquela sensação de tanto faz.”
A pessoa também pode passar a ter alterações no sono — dificuldade para dormir, para manter o sono durante a noite — ou ainda mudanças no apetite, que podem levar tanto a comer em excesso quanto a parar de se alimentar.
“Além disso, ela pode passar a descuidar da própria aparência. Tudo isso vai acontecendo de forma gradual”, detalha Larissa.
Outro ponto de atenção são as falas e postagens nas redes sociais. Comentários como “eu queria dormir e não acordar nunca mais”, “a vida perdeu a graça”, “estou cansado de lutar” e “não aguento mais essa dor” podem indicar um risco.
Segundo a psicóloga, a pessoa pensa em acabar com a vida como uma tentativa de dar fim à dor que sente. “Ela pode falar coisas como ‘vocês vão ficar melhor sem mim’, ‘não tenho mais vontade de viver’. Essa pessoa já se coloca num final. Às vezes, achamos que esse tipo de fala é da boca para fora, mas é importante dar ouvidos”, destaca.
Em alguns casos, a pessoa em sofrimento pode ter uma melhora súbita. Mas isso não necessariamente significa uma melhora do quadro do paciente. É preciso que, nessas situações, exista uma atenção redobrada para evitar consequências mais graves em recaídas, segundo o psiquiatra Antônio Geraldo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
“Todos precisam esclarecer para o paciente que isso é parte da melhora global e ele precisa ter paciência porque a melhora como um todo virá. Por isso, no início do tratamento com antidepressivos, nós sempre falamos para o paciente que pode levar de duas a quatro ou até oito semanas para ter uma melhora total. Orientar todos esses detalhes melhora a adesão ao tratamento”, explica.
Idosos também podem estar em risco
A população idosa também é vulnerável, muito pela sensação de abandono, pela perda de amigos e pelo afastamento de familiares. Soma-se a isso o sentimento de não ter mais um papel no mundo ou de não se sentir útil após a aposentadoria.
“Não é normal o idoso que fique triste, afastado. Não é normal aquele que antes gostava de sair, de fazer as coisas, passar a ficar isolado e abatido”, destaca Maria Alice de Vilhena Toledo, psiquiatra e geriatra integrante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
No caso dos idosos, os sinais são semelhantes. Eles podem apresentar mudanças na rotina e expressar frases como “Estou dando trabalho para a minha família”, “A vida já não tem mais graça” ou “Por que Deus não me levou?”.
“Os idosos não são o grupo que mais tenta (o suicídio), mas quando tentam são mais efetivos na tentativa. Então é preciso ter atenção”, alerta Maria Alice.
Como abordar uma pessoa em sofrimento?
Larissa entende que uma das formas mais adequadas de abordar alguém em sofrimento é resgatar lembranças felizes. Perguntas como “Você se lembra de como estava feliz naquele dia, quando fomos ao cinema?” podem abrir um caminho mais acolhedor para o diálogo.
Para Geraldo, também é importante demonstrar que não tem preconceito. “Mostre que você está junto e disposto a ajudar a pessoa a buscar um médico psiquiatra. Incentive o tratamento, pesquise e compartilhe informações com ela sobre onde buscar ajuda médica psiquiátrica”, recomenda. O preconceito e o estigma atrapalham a busca por ajuda.
O que não deve ser feito?
Julgar e minimizar a dor que a pessoa está sentindo são os principais erros. Segundo Geraldo, proferir frases como “Isso é drama”, “É só uma fase” ou “Você tem tudo, por que está assim?” é um grande equívoco.
“Também não se deve tentar resolver tudo com soluções mágicas e rápidas. Pessoas que estão nessa situação precisam ser incentivadas a buscar ajuda médica e profissional”, destaca o presidente da ABP.
“Ideação suicida é um sintoma que precisa ser investigado e tratado como qualquer outro sinal clínico relevante de uma doença física”, adiciona.
Onde buscar ajuda
Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:
- Centro de Valorização da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.
- Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.
- SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. A lista com os endereços dos Caps na cidade de São Paulo pode ser conferida aqui.
- Mapa da Saúde Mental
O site traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais.
Fonte: Estadão