O que é uma boa vida e como podemos construí-la? Mais de 40 anos de pesquisa apontaram duas respostas. A primeira diz que uma boa vida é uma vida feliz, criada pela busca de conforto, satisfação e mais alegria do que tristeza. A segunda diz que uma boa vida é uma vida significativa, sustentada por propósito, conexão e pela tentativa de tornar o mundo melhor.
Mas, recentemente, pesquisadores propuseram uma terceira resposta: uma boa vida é uma vida psicologicamente rica, marcada por experiências inéditas, percepções que mudam perspectivas e complexidade — mas também com mais desconforto e desafios do que uma vida feliz ou significativa.
“Queríamos capturar tipos mais exploratórios, aventureiros e criativos de boa vida”, como as de artistas e poetas, conta Shigehiro Oishi, psicólogo da Universidade de Chicago que primeiro conceitualizou a riqueza psicológica.
A felicidade, diz Oishi, pode ser vista como uma média de rebatidas — sobe e desce de acordo com as boas e más experiências. A riqueza psicológica, por outro lado, é mais parecida com os destaques de uma carreira — quantas histórias e experiências interessantes acumulamos ao longo da vida.
Essas experiências podem surgir de viagens, do encontro com pessoas interessantes, da leitura de livros ou da superação de circunstâncias desafiadoras.
Uma vida psicologicamente rica é uma vida interessante, que nos pede para sair da zona de conforto e estar abertos a mudar de ideia, descreve Erin Westgate, psicóloga social da Universidade da Flórida. É “cognitivamente e emocionalmente desconfortável perceber que eu achava que o mundo era de um jeito e agora percebo que é de outro. Ou que eu achava que era uma pessoa de determinada forma e agora percebo que não sou”, comenta ela.
Em outras palavras, cada caminho pode soar diferente quando resumido no leito de morte.
- As últimas palavras de quem viveu uma vida feliz poderiam ser: “Foi divertido!”
- Alguém que viveu uma vida significativa poderia dizer: “Fiz a diferença!”
- E quem viveu uma vida psicologicamente rica? “Que jornada!”
Em busca de um terceiro caminho
O conceito de uma vida psicologicamente rica surgiu a partir de uma crise de meia-idade.
Oishi pesquisava a felicidade havia 20 anos quando se perguntou: “Minha vida é feliz? Minha vida é significativa?” “Sim”, pensou. Mas quando perguntou a si mesmo: “Esta é uma vida completa? É uma vida plena?” ele não conseguiu responder que sim naquele momento.
Em seus trabalhos seguintes, Oishi e seus colegas perceberam que a literatura de pesquisa sobre bem-estar tinha uma lacuna. Vidas felizes e significativas tendem a estar enviesadas para estabilidade e rotina. A felicidade sustentada depende de pequenos atos repetidos de alegria cotidiana, e o significado da vida depende de esforços repetidos para fazer diferença no mundo.
A riqueza psicológica, por outro lado, captura uma dimensão da boa vida voltada a experiências interessantes e inéditas, que nem sempre parecem totalmente prazerosas ou têm um propósito maior.
“Acho que a teoria da riqueza psicológica é a hipótese nova mais interessante e empolgante na ciência do bem-estar”, avalia Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia em Riverside, que não participou da pesquisa.
Vale a pena ter riqueza psicológica
Os três caminhos não são necessariamente mutuamente exclusivos — uma boa vida pode ter muitas dimensões, e podemos transitar entre elas em diferentes momentos.
Em um estudo de obituários, Oishi, Westgate e seus colegas descobriram que felicidade e significado tendem a não estar correlacionados.
Vidas psicologicamente ricas, por outro lado, “são muitas vezes vidas significativas, mas normalmente não são vidas superfelizes”, aponta Erin, que coescreveu em 2025 uma revisão sobre riqueza psicológica com Oishi. “Faz sentido: qualquer boa história envolve um desafio ou um problema.”
Apesar disso, as pessoas acreditam que uma vida psicologicamente rica é aquela que vale a pena viver, descobriram Oishi e seus colegas em um estudo. A maioria das pessoas deseja as três coisas em uma vida ideal — ser feliz, encontrar significado e ter experiências interessantes.
No entanto, na vida real, “existem concessões. Normalmente precisamos priorizar entre elas”, comenta Erin.
Quando os participantes do estudo foram obrigados a escolher apenas um caminho, a maioria preferiu uma vida feliz. Mas entre 6,7% e 16,8% dos participantes escolheram uma vida psicologicamente rica, indicando que há pessoas que valorizam esse tipo de experiência mesmo à custa de uma vida feliz ou significativa.
Como é uma vida psicologicamente rica
Pesquisas mostram que pessoas mais abertas a novas experiências têm maior probabilidade de buscar e viver uma vida psicologicamente rica. Talvez sem surpresa, o mesmo vale para indivíduos curiosos.
A riqueza psicológica está associada a maior complexidade cognitiva. Pessoas que levam vidas psicologicamente ricas tendem a pensar de forma mais holística e a considerar o quadro geral.
E ela se associa a certos desfechos de saúde, como maior confiança para lidar com dificuldades e percepção de apoio social, em comparação com felicidade e significado.
Curiosamente, a riqueza psicológica está associada a tendências políticas mais liberais, enquanto pessoas politicamente conservadoras tendem a relatar maior felicidade e a achar suas vidas mais significativas.
Desde que Oishi e seus colegas iniciaram suas pesquisas, ele disse ter recebido e-mails de pessoas agradecendo por lhes dar um “vocabulário” para descrever a vida que buscavam.
Ter um nome para o que você procura é útil: “É difícil alcançar algo se você não sabe o que é esse algo”, nota Erin.
Como enriquecer psicologicamente sua vida
Nenhum caminho é melhor que o outro, nem são mutuamente exclusivos, reforçam os pesquisadores. Em vez disso, cada um oferece um “sabor” diferente do que pode ser uma boa vida, cada qual com suas vantagens e desafios.
Ainda assim, mesmo aqueles que priorizam os outros caminhos — mais baseados em repetição e rotina — podem se beneficiar de estratégias de riqueza psicológica para “ajudá-los a se renovar e sentir-se revigorados em sua busca por felicidade e, talvez, significado”, analisa Oishi, que recentemente escreveu o livro Life in Three Dimensions: How Curiosity, Exploration, and Experience Make a Fuller, Better Life (A vida em três dimensões: como curiosidade, exploração e experiência tornam a vida mais plena e melhor, em tradução livre).
- Abrace a diversão
“É realmente se ‘deixar ir’, estar aberto a ser tolo consigo mesmo”, define Oishi. “Não se leve tão a sério.”
Explore novos bairros. Passeie por brechós ou sebos. Faça uma aula de improvisação cômica.
- Tente estar ‘aberto para as coisas’
Os interesses e sugestões de outras pessoas podem abrir todo um mundo de possibilidades.
“Acho que só tentar dizer sim às sugestões de amigos e familiares, isso por si só já torna sua vida muito mais rica”, afirma Oishi.
“Desafios, surpresas, espontaneidade, acho que podem levar a muitas coisas maravilhosas”, destaca Sonja. “Então arrisque-se, dentro do razoável, e esteja mais aberto para as coisas.”
- Abrace o desconforto
“Acho que as pessoas sabem que tipo de coisas poderiam tornar suas vidas mais ricas”, como fazer aquela aula de violão ou entrar para a liga de pickleball, reflete Erin. No entanto, podemos relutar em fazer essas coisas porque “focamos em tudo o que pode ser assustador em tentar algo novo ou desafiador” e minimizamos os possíveis benefícios, diz ela.
É importante lembrar que nosso cérebro não apenas gosta de um desafio, mas que pesquisas mostram que o desconforto não é necessariamente algo ruim. “O desconforto é um sinal de que você está crescendo”, pontua Erin.
- Registre suas experiências
É humano esquecer nossas aventuras com o tempo. Mas como uma vida psicologicamente rica é a soma de experiências ricas, é importante registrá-las em diários, fotografias e compartilhá-las com outras pessoas para manter as memórias, ensina Oishi.
“Enquanto você estiver curando e guardando suas experiências em suas memórias psicológicas, estará se enriquecendo todos os dias”, diz.
Fonte: Estadão