A saúde mental no SUS

Há alguns dias, atendi uma paciente cujo filho é dependente químico. Ele me contou de suas lutas e preocupações. Tem consciência de que se trata de uma doença grave, com chances de recorrência. Disse também que se trata no SUS, numa unidade perto de sua casa, faz terapia em grupo semanalmente e tem acompanhamento do psiquiatra a cada três meses.

Meu primeiro contato com um serviço de saúde mental após a faculdade foi em 2008, quando fui secretária de Saúde em Ferraz de Vasconcelos, município bem carente na periferia de São Paulo, onde havia uma Unidade de Saúde Mental, um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que tinha que dar conta do atendimento de todas as doenças mentais e drogadição. Me encantei com o trabalho ali realizado e, desde então, acompanho os avanços, e infelizmente também os retrocessos, das políticas de saúde mental do SUS.

Se refletirmos sobre a História, há pouco tempo a doença mental e a drogadição eram tratadas em manicômios que funcionavam quase ou até de forma pior do que as prisões. Todos nós temos memória, ou assistimos em filmes o quão bárbara era a violação de direitos humanos nessas instituições, usadas muitas vezes como prisão política, local de torturas e todo tipo de abuso. Na década de 1980 começaram os primeiros movimentos clamando por essa mudança. Iniciava-se a reforma psiquiátrica, e meu pai, Dr. Pinotti, que foi secretário de Saúde do Estado entre 1987-1991, conseguiu naquele momento “devolver” ao convívio familiar cerca de 70% dos pacientes internados no Hospital do Juqueri, que foi um dos mais tristes símbolos desse tempo, e que por fim foi fechado em 2011.

A luta antimanicomial é um movimento social e político que busca a desinstitucionalização das pessoas com sofrimento psíquico, defendendo a construção de um sistema de saúde mental que priorize a atenção comunitária e o tratamento humanizado. Os princípios e diretrizes do SUS abarcaram a reforma psiquiátrica, que substituiu o modelo assistencial baseado na segregação social, violação de direitos e na despersonalização do sujeito como forma de tratamento, por uma rede de cuidados articulada, comunitária e inclusiva.

No Brasil, a construção do sistema de saúde mental no SUS foi fundamental para garantir o acesso a tratamento e suporte adequado às pessoas com doença mental e drogadição. A RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) foi instituída pela Portaria MS/GM nº 3.088, de 2011. Ela é formada por um conjunto de serviços e ações que integram a rede de saúde, com objetivo de garantir o cuidado de pessoas com transtornos mentais e necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, que prioriza a funcionalidade do indivíduo, a reintegração social e a internação apenas em períodos de crise.

Ainda temos muito o que avançar, mas creio importante comemorar as vitórias. Hoje, o SUS promove uma abordagem integral, que considera não apenas a doença, mas também as condições sociais, econômicas e culturais que afetam a saúde mental. Essa perspectiva é essencial, especialmente quando se observa que cerca de 20% da população brasileira enfrenta algum tipo de transtorno mental ao longo da vida, segundo dados do Ministério da Saúde.

A organização multiprofissional e multidisciplinar do SUS é extremamente complexa, trabalha na construção de um Projeto Terapêutico Singular (PTS), único para cada paciente, que é formado por um conjunto de propostas terapêuticas articuladas com o indivíduo, a família ou um grupo. Possibilita a participação, reinserção e construção de autonomia para o usuário e a família. É um processo longo e difícil, não há milagres, mas é fundamental continuar lutando pela ampliação e fortalecimento desses serviços, garantindo que todos tenham acesso à saúde mental de qualidade.

Fonte: O Globo

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