A doença de Alzheimer ainda é cercada por tabus, crenças equivocadas e informações distorcidas que circulam entre a população. Esses mitos não apenas alimentam o estigma em relação ao quadro, como também podem dificultar diagnósticos, atrasar tratamentos e gerar sofrimento desnecessário para pacientes e cuidadores.
A seguir, especialistas apontam alguns dos equívocos mais comuns e explicam por que é importante combatê-los.
“Ainda não existe cura para o Alzheimer, mas há muito que pode ser feito”, destaca a geriatra Claudia Suemoto, professora na Universidade de São Paulo (USP). Ela conta que dispomos de medicamentos que podem estabilizar ou retardar a progressão dos sintomas, especialmente se iniciados nas fases iniciais.
Além disso, intervenções não farmacológicas, como estimulação cognitiva, atividade física, controle de doenças cardiovasculares, alimentação equilibrada e suporte psicossocial, têm impacto real na funcionalidade e no bem-estar.
“Acreditar que não há nada a ser feito desmotiva pacientes e familiares, levando à falta de acompanhamento médico e à perda de oportunidades para manter a autonomia e a qualidade de vida por mais tempo. O cuidado multidisciplinar, aliado ao apoio à família, faz grande diferença no dia a dia”, reforça a médica.
2- “Perda de memória é normal do envelhecimento”
Claudia afirma que, embora pequenas mudanças cognitivas possam ocorrer com o avançar da idade — como levar mais tempo para lembrar nomes ou processar informações — a perda de memória frequente e progressiva não é parte “normal” do envelhecimento.
“Esse mito é perigoso porque leva muitas pessoas e suas famílias a subestimarem sinais iniciais, atrasando o diagnóstico e o início de intervenções que podem melhorar a qualidade de vida”, analisa Claudia. “Identificar precocemente alterações de memória permite avaliar causas tratáveis, como depressão, distúrbios da tireoide e deficiências vitamínicas, e iniciar estratégias que retardem a evolução do quadro quando se trata de doenças neurodegenerativas. Aceitar a perda de memória como ‘normal’ significa perder tempo valioso”, enfatiza.
3- “As medicações freiam a progressão da doença”
As quatro medicações atualmente disponíveis – rivastigmina, donepezila, galantamina e memantina – não interrompem ou freiam as alterações patológicas da doença nem mudam sua história natural.
Ricardo Afonso Teixeira, doutor em neurologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Instituto do Cérebro de Brasília, explica: “Elas atuam na modulação da neurotransmissão, permitindo que o paciente possa ter melhora dos sintomas. O declínio cognitivo não é interrompido, mas, com as medicações, o estado clínico pode estar melhor do que sem elas”.
A crença nesse mito pode trazer falsas expectativas em relação ao tratamento e ser fonte de decepção e angústia, principalmente dos familiares.
4- “Exames podem prever a doença”
Teixeira ressalta que exames de screening podem indicar um risco aumentado de enfrentar a doença, mas isso não significa que a pessoa necessariamente irá desenvolvê-la.
Ele explica que, embora seja possível argumentar que conhecer um resultado de alto risco poderia motivar a adoção imediata de hábitos de vida saudáveis, “o dever de casa para manter o bom funcionamento do cérebro em idades avançadas é o mesmo, independentemente de o exame indicar menor ou maior risco”. Isso envolve atacar fatores de risco modificáveis, como tabagismo, hipertensão arterial e sedentarismo.
Por enquanto, o especialista reforça que esses exames devem ser realizados apenas em pacientes selecionados por médicos especializados, e não na população geral, pois um resultado sem a devida orientação pode gerar ansiedade e abalar o bem-estar emocional.
5- “O canabidiol cura o Alzheimer”
Segundo a neurologista Elisa de Paula Resende, coordenadora do Departamento Científico de Cognição da Academia Brasileira de Neurologia, embora o canabidiol possa ajudar em algum sintoma específico da doença, como agitação, agressividade e distúrbios do sono, ainda não há cura para a doença.
“Isso pode fazer com que as pessoas deixem de usar o tratamento correto com as medicações indicadas para a doença, optando por um tratamento que não tem evidências suficientes”, afirma.
6- “Uma pessoa sozinha consegue cuidar de um familiar com Alzheimer”
Leandro Minozzo, geriatra e autor do livro Como cuidar de um familiar com Alzheimer e não adoecer (Editora Sulina), atenta sobre o desafio real enfrentado pelas famílias: “Percebo que, no início, os cuidadores acham que conseguirão lidar melhor com os problemas, que serão resilientes e terão apoio. Porém, com o passar dos meses e anos, acabam adoecendo, mesmo aqueles com boa saúde e conhecimento”.
Segundo ele, cuidar sozinho não é possível. “O custo é muito elevado, não só financeiro, mas principalmente de vida entregue e sofrimento”, diz.
Reforçar essa crença sobre a capacidade individual do cuidador pode levar a sobrecarga física e emocional, comprometendo a saúde do cuidador e a qualidade do cuidado prestado ao paciente.
7- “Ter Alzheimer significa viver fora da realidade e agir com agressividade”
O neurologista Diogo Haddad, head do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que cada paciente é único e deve ser visto e analisado de forma completamente individual. “Embora o Alzheimer cause alterações comportamentais e cognitivas, como agitação ou confusão, nem todos os pacientes apresentam os mesmos sintomas. Muitos permanecem conectados emocionalmente com amigos e familiares, especialmente nas fases iniciais e intermediárias da doença”, descreve.
O médico avalia que pintar um quadro inevitavelmente negativo pode desumanizar o paciente e dificultar o vínculo afetivo e o cuidado por parte da família e cuidadores. “Além disso, as alterações comportamentais, quando presentes, podem ser gerenciadas com abordagens específicas e com um bom acompanhamento médico”, enfatiza.
8- “As demências são doenças apenas de pessoas idosas”
“As demências afetam predominantemente as pessoas idosas, mas eventualmente podemos ter esse diagnóstico em pessoas com menos de 60 anos, ou seja, existem os casos precoces. Além da doença de Alzheimer, há ainda demências vasculares, as frontais (essas costumam acontecer em pessoas mais jovens)”, alerta Thais Bento Lima da Silva, gerontóloga com PHD em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela USP.
Fonte: Estadão