Apesar da defesa pública do ministro Flávio Dino, nesta quinta-feira, a decisão monocrática de Gilmar Mendes que dificulta a abertura de impeachment de membros do Supremo Tribunal Federal (STF) não é consenso entre magistrados da Corte. O tema será levado ao plenário virtual a partir da próxima sexta-feira, quando irão avaliar se é correto limitar à Procuradoria-Geral da República (PGR) a apresentação de um pedido de impedimento contra ministros — hoje, qualquer cidadão pode protocolar denúncia.
Para parte dos ministros ouvidos em caráter reservado pelo GLOBO, a decisão de Gilmar foi equivocada, e a consequência direta foi a piora na relação entre o Legislativo e Judiciário. Apesar disso, alguns desses ministros compreendem que a Lei do Impeachment, em vigor desde 1950, está defasada e que as regras precisariam de ajustes — mas não necessariamente a partir de uma intervenção do Supremo, e sim por meio de um processo negociado.
Os ministros também irão deliberar se o quórum para o julgamento político da autoridade deve ser de dois terços do Senado, ou se será de maioria simples, como está definido na lei de 1950 que regula o rito.
Nesta quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes saiu nesta quinta-feira (4) em defesa da medida. Em uma frente, rejeitou a solicitação da Advocacia-Geral da União (AGU) para que a limitação ao afastamento de membros do STF fosse reconsiderada.
Já ao comentar sua posição em um evento, argumentou que há um alto número de pedidos de destituição de magistrados sobre a mesa do Senado e citou a mobilização eleitoral com esse objetivo que busca atingir maioria na Casa. A posição foi reforçada pelo colega de tribunal Flávio Dino, para quem há “óbvio excesso” de pedidos de impeachment.
Posições divergentes
Do lado do Legislativo, as críticas se avolumaram, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), decidiu entrar em contato com outros ministros do STF e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para articular uma resposta institucional.
Em um seminário realizado pelo portal Jota, na quinta, Gilmar Mendes justificou seu posicionamento:
— E as pessoas dizem “por que liminar?”. Eu estou lhes dando as razões: os tantos pedidos de impeachment, com as pessoas anunciando que farão campanhas eleitorais para obter maioria no Senado, dois terços do Senado, para fazer o impeachment — afirmou.
Gilmar se refere, indiretamente, à campanha de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro para ter maioria no Senado. Assim, o grupo teria mais chances de pressionar ministros do STF com o avanço de impeachment. Atualmente, 81 pedidos desta natureza estão na Casa, sendo o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que condenou Jair Bolsonaro por tramar um golpe, o mais visado.
Também na quinta, ao negar um pedido da AGU para reconsiderar a liminar, Gilmar defendeu que sua decisão tem “fiel amparo na Constituição Federal” e é “indispensável para fazer cessar um estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional”, alegou.
“A submissão dos magistrados dos Tribunais Superiores a um regime de responsabilização incompatível com o texto constitucional representa um grave comprometimento da independência judicial, o que denota a extrema urgência de que se reveste a medida”, escreveu.
Já Dino reforçou a defesa de uma revisão na Lei do Impeachment. O magistrado destacou que Moraes é alvo de cerca de metade dos pedidos de impeachment apresentados ao Senado, e que o colega é alvo de “perseguição” e “chantagem”.
— Por que agora? Porque tem 81 pedidos de impeachment. Coisa que nunca aconteceu antes. E isso agudiza a necessidade de revisão do marco normativo. E espero que esse julgamento, inclusive, sirva como estímulo ao Congresso Nacional para legislar sobre isso — disse o ministro, no mesmo seminário que Gilmar.
Em meio a esse conflito entre os dois Poderes, Alcolumbre sinalizou nessa quinta-feira que acionaria Motta para destravar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões monocráticas do Supremo. A PEC foi aprovada pelo Senado no fim de 2023 e também teve a chancela da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara no ano passado, mas desde então não avançou. O texto agora precisa passar por uma comissão especial, que ainda não foi instalada.
— O presidente Hugo Motta está cuidando dessa PEC. Eu só sei que ela já passou na CCJ (da Câmara). Vou falar com o presidente Hugo e eu respondo vocês — disse Alcolumbre ao sair da sessão do Congresso.
Motta, por outro lado, pregou o entendimento entre Legislativo e Judiciário:
— Eu penso e acredito que o próprio Supremo irá, juntamente com o Senado, através do diálogo, encontrar um caminho de conciliação para essa situação. Porque essa radicalização, quando ela se dá de maneira institucional, todo o país perde. Nós acabamos tendo, no final do dia, duas instituições disputando em um cabo de guerra, que ao final nós não teremos vencedores. Teremos uma condição de fragilidade institucional.
Tentativa de apaziguar
Em paralelo, Alcolumbre conversou na quinta-feira por telefone com Moraes e com o presidente do STF, Edson Fachin. Segundo aliados do presidente do Senado, a ligação feita por Moraes foi uma tentativa de apaziguar os ânimos, já que os dois têm boa relação.
Na conversa com Fachin, confirmada por interlocutores dos dois lados, o ministro e o senador também falaram sobre o julgamento do marco temporal de terras indígenas mudar do plenário virtual da Corte para o físico. Enquanto o Supremo trata sobre o tema, o Senado tenta avançar com uma PEC que dificulta novas demarcações de territórios dos povos originários.
Antes de a decisão vir a público, Gilmar procurou integrantes do Senado. Na quinta, o líder do PL na Casa, Carlos Portinho (RJ), revelou que o ministro o chamou em seu gabinete na véspera de limitar o processo de impeachment de integrantes da Corte.
— Não compreendi o que ele quis, não sei se chamou outros senadores também. Disse a ele que ia ler. Saí com a cópia do processo. Sabia que ele estava decidindo sobre o rito do impeachment — disse Portinho à GloboNews.
Entre governistas, a liminar de Gilmar provocou divergências. Enquanto o líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), demonstrou apoio ao ministro, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse que a restrição não era republicana e nem constitucional.
Divergência institucional
O que Gilmar defende – Que somente a Procuradoria-Geral da República pode apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF. A decisão de Gilmar é provisória e será analisada pelos demais colegas a partir do dia 12, no plenário virtual da Corte. A justificativa é o alto número de pedidos nos últimos anos.
O que o Senado alega – O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), afirma que a decisão de Gilmar representa uma “grave ofensa à separação dos Poderes”. Ele citou como possíveis respostas a tramitação da PEC que limita decisões monocráticas de ministros e um projeto de lei que atualiza a lei do impeachment.
O que a AGU argumentava – O advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu que o decano do STF reconsiderasse a sua decisão. Ele defendeu a legitimidade popular para entrar com os pedidos de impeachment e também citou interferência de um Poder sobre o outro. O pedido do AGU, no entanto, foi negado pelo ministro da Corte.
O que a Câmara deve propor – O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), avaliou que a medida de Gilmar é fruto da polarização política e interferência entre Poderes. Anteontem, dia da decisão do ministro, a CCJ da Casa aprovou projeto que limita decisões isoladas de magistrados contra leis aprovadas pelo Congresso.
Fonte: O Globo



