Saiba tudo sobre o voto de Fux, que absolveu Bolsonaro de tentar golpe de Estado

O ministro Luiz Fux abriu divergência na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ao votar ontem para absolver Jair Bolsonaro por cinco crimes após argumentar que não há provas de que ele liderou uma trama golpista. Com isso, o placar do julgamento está em 2 a 1 pela condenação do ex-presidente. A análise do caso será retomada hoje, às 14h. Faltam se manifestar a ministra Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Ao rejeitar a hipótese de participação de golpe de Estado ou abolição para Bolsonaro, Fux adotou três caminhos. Disse não haver comprovação da participação do ex-presidente no 8 de Janeiro, evento em que houve violência. Desqualificou repetidos ataques ao processo eleitoral e às urnas, considerando-os apenas críticas de cunho político. E apontou o que seriam fragilidades de ligação do ex-presidente com provas materiais, como o plano de assassinar autoridades e as diferentes versões de minutas golpistas.

A manifestação de Fux, vista como uma opinião isolada na Primeira Turma até mesmo pelos advogados dos réus, contrasta com os votos de Alexandre de Moraes, relator do processo, e Flávio Dino. Anteontem, ambos votaram para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado de patrimônio e deterioração do patrimônio tombado.

Mesmo indicando adesão a contraditórios ao longo do processo, a contundência do voto de Fux e o grau da divergência apresentada foram recebidos com surpresa. Apesar de absolver Bolsonaro, o magistrado decidiu condenar o general Braga Netto e o delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, por abolição do Estado Democrático de Direito.

Em exposição que durou cerca de 11 horas e meia, o magistrado também fez críticas à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), com longa fala sobre a inadequação da imputação de crimes e falhas na cadeia de eventos descrita pelo órgão. Segundo Fux, esses supostos erros formais poderiam, inclusive, levar à anulação do processo.

8 de Janeiro

Um dos pontos centrais da explanação de Fux sobre Bolsonaro é o de que ele não poderia ser responsabilizado pelos atos de terceiros. Para o ministro, os ataques em Brasília ocorridos em 8 de janeiro de 2023, apontados como a última etapa da investida golpista, não tiveram participação decisiva do ex-presidente.

— Não se pode aceitar a pretensão acusatória de se imputar ao réu (Bolsonaro) a responsabilidade por crimes cometidos por terceiros no fatídico 8 de janeiro de 2023 como decorrência de discursos e entrevistas ao longo do mandato — disse Fux. — O Ministério Público não logrou apontar absolutamente nenhuma prova de que Jair Bolsonaro tivesse algum vínculo com os sujeitos que invadiram os prédios na Praça dos Três Poderes.

O magistrado destacou que uma eventual condenação de Bolsonaro abriria um “precedente muito perigoso” ao punir um ex-presidente “com base em alegações genéricas de abuso”. Reforçando o tom crítico à PGR, Fux sustentou que os reiterados ataques às urnas “não configuram tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”, uma vez que “a simples defesa da mudança do sistema de votação não pode ser considerada narrativa subversiva”.

Fux citou ainda o plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de Moraes, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin, impresso no Palácio do Planalto. Para o ministro, contudo, as provas apresentadas pela acusação foram “insuficientes para demonstrar, afastando qualquer dúvida razoável”, que o documento foi apresentado a Bolsonaro, “muito menos que tenha contado com a sua anuência”. Ele seguiu raciocínio semelhante ao tratar da chamada minuta golpista, que sugeria uma série de medidas de exceção para manter o ex-presidente no cargo mesmo após a derrota a eleitoral.

— Para sair da mera cogitação e dar início a atos executórios violentos para abolir o Estado Democrático de Direito, seria necessário, além da publicação formal pelo presidente da República, o envio de mensagem para ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas e a edição de ato formal para transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública. Todas essas etapas estão previstas no artigo 15 da Lei Complementar 97 — afirmou Fux, referindo-se ao texto como um mero “anteprojeto”.

O ministro também isentou Bolsonaro da acusação de ter mandado editar a minuta:

— O réu está sendo acusado por um documento cujo conteúdo é desconhecido, a origem é incerta, e (que foi) apresentado em uma reunião da qual ele não participou — argumentou o magistrado. — Afinal o que foi inserido e retirado dessa minuta? Não está nos autos.

Logo no início do voto, Fux já havia dito que não houve nenhum tipo de organização criminosa na chamada trama golpista, pois não existiu, na sua avaliação, um grupo montado para cometer uma série de crimes. Fux também descartou os crimes relacionados ao dano do patrimônio porque, segundo o seu ponto de vista, não houve prova de que os réus tiveram participação no 8 de Janeiro.

Nulidades

Ainda durante a fase preliminar do seu voto, Fux defendeu a nulidade do processo por entender a incompetência do STF para julgar o caso. O ministro chegou a deliberar em mais de 1.600 ações relativas ao 8 de Janeiro sem fazer questionamentos sobre o foro, mas vinha mudando seu posicionamento nos últimos meses.

O magistrado também votou para que os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito sejam incorporados em uma só conduta. Na prática, esse entendimento, caso seja aceito pela maioria, pode reduzir a pena dos condenados.

O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, comemorou o voto de Fux:

— Entendemos que é um voto técnico que abordou as provas de forma exaustiva. Fiquei feliz com o reconhecimento das preliminares porque em algum momento pareceu que isso era um tema menor, e Fux trouxe o acesso aos documentos com uma questão fundamental.

Após análise do mérito da ação, os cinco integrantes do colegiado passarão para a discussão da dosimetria da pena que será atribuída a cada réu. A previsão é finalizar tudo até amanhã.

Fonte: O Globo

WhatsApp
Telegram
Facebook
X

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress