Revisão criminal abre espaço para Bolsonaro tentar anular condenação na 2ª Turma do STF; entenda

Maioria dos brasileiros concorda com prisão domiciliar de Bolsonaro e ações de Moraes, diz Datafolha Foto: Wilton Junior/Estadão

As condenações de Jair Bolsonaro e de outros réus pela tentativa de golpe de Estado devem abrir um novo capítulo no Supremo Tribunal Federal (STF). Com os últimos recursos em fase final, as defesas preparam uma nova ofensiva jurídica por meio da revisão criminal, instrumento que tem potencial de anular as sentenças e levar o processo à Segunda Turma, agora com Luiz Fux, adiando o desfecho do debate sobre o caso.

A revisão criminal é um tipo de ação que permite reavaliar uma condenação já transitada em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos. É usada em situações excepcionais, quando a defesa apresenta provas novas, demonstra que a sentença se baseou em elementos falsos ou sustenta que a decisão violou a lei ou a própria evidência dos autos.

Juristas ouvidos pela reportagem avaliam que essas hipóteses, em princípio, não se aplicam ao caso de Bolsonaro e dos demais réus. Ainda assim, poderiam ser tentadas pela defesa. E o regimento interno do STF estabelece que revisões criminais sejam distribuídas à turma oposta à que proferiu a condenação, o que levaria o caso para Segunda Turma – vista como mais favorável ao ex-presidente e capaz de dar novo fôlego para as defesas.

O processo está em sua reta final na Primeira Turma, que marcou para 7 de novembro o julgamento dos embargos de declaração apresentados pelos advogados. Nessa etapa, as defesas apontam supostos erros e omissões no acórdão, mas a tendência é que o colegiado mantenha as condenações, já que as teses foram rejeitadas em fases anteriores.

Encerrada essa fase, já com a possibilidade de o cumprimento da pena, abre-se o caminho para a nova ofensiva jurídica das defesas: a revisão criminal. O criminalista Marcelo Crespo, coordenador da ESPM, explica que esse tipo de ação só é cabível após o fim dos recursos, momento em que o relator do caso, Alexandre de Moraes, determina a execução da pena de Bolsonaro e dos demais condenados.

Crespo destaca que o regimento interno do Supremo é claro ao determinar que as revisões sejam remetidas à turma oposta à que julgou o caso, para garantir uma reavaliação imparcial e evitar que os mesmos ministros revisem a própria decisão. Nesse cenário, a ação seria distribuída por sorteio a um ministro da Segunda Turma. “Com a atual composição, é provável que o tema ganhe contornos políticos”, afirma.

As turmas são responsáveis por julgar os casos criminais no Supremo. A Primeira Turma, que conduziu o julgamento do golpe, é formada por Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Já a Segunda Turma reúne Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e André Mendonça – estes dois últimos indicados por Bolsonaro e considerados mais receptivos às teses das defesas.

Recentemente, Fux pediu para ser transferido para a Segunda Turma, após o anúncio de aposentadoria de Luís Roberto Barroso, movimento que alterou a correlação de forças do colegiado. No julgamento do núcleo crucial da trama golpista, Fux votou pela absolvição de seis dos oito réus – gesto que reforçou a percepção de maior simpatia da turma às teses das defesas.

Essa nova composição é justamente o que, para Crespo, amplia o campo de interpretação sobre o cabimento da revisão criminal. O professor avalia que os requisitos formais, em tese, não estão presentes, mas as defesas devem recorrer à hipótese mais ampla prevista no instrumento: a de que a decisão contrariou a lei penal ou as provas dos autos, brecha que tende a ser explorada para fundamentar a ofensiva.

“É a hipótese mais subjetiva e, considerando ministros com viés ideológico mais próximo de Bolsonaro, não dá para negar que isso possa se tornar uma tese viável”, afirma.

Na mesma linha, o professor da USP Gustavo Badaró, autor do parecer jurídico usado pela defesa de Bolsonaro nas alegações finais, considera que o argumento, embora raramente aceito, é o caminho mais provável para as defesas, diante da margem interpretativa que a nova configuração da turma oferece.

“Será interessante observar como o tribunal vai se comportar diante dessa nova configuração e para quem a ação será distribuída. O resultado é imprevisível”, avalia.

Na prática, o movimento das defesas já aponta nessa direção. Advogados de três réus ouvidos pela reportagem  afirmam que, encerrados os embargos e transitada em julgado a ação penal, ingressarão com revisão criminal acompanhada de pedido de efeito suspensivo da pena, para que os condenados aguardem o resultado em liberdade.

Há, porém, divergência sobre a atuação de Fux na ação. Parte dos advogados entende que ele poderia participar por se tratar de uma nova ação; outros sustentam que sua presença geraria conflito de competência, já que a decisão original partiu da Primeira Turma, da qual ele fazia parte até recentemente.

Nesse ponto, Badaró avalia que a atuação de Fux seria possível, uma vez que o novo processo seria analisado no mesmo grau de jurisdição e dentro do próprio órgão, não configurando impedimento formal.

Ele pondera, contudo, que o pedido de efeito suspensivo é o ponto mais difícil de prosperar, já que, após a decisão de Moraes, a regra é que os réus permaneçam presos enquanto aguardam o julgamento da revisão.“Às vezes os tribunais concedem esse benefício, mas é exceção, não regra”, diz.

Já o criminalista Renato Vieira avalia que Fux deveria alegar suspeição por ter vínculo anterior com o caso. Caso não declare o impedimento, sua atuação poderá ser questionada pela Procuradoria-Geral da República.

“É algo difícil de contornar. Em meu juízo, essencialmente ele seria impedido, sim. Mas é um tema que certamente será alvo de questionamento. E, com a revisão, um novo capítulo se abre no Supremo”, avalia Vieira.

Fonte: Estadão

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