Pena de Bolsonaro, prisão de militares, benefícios a Cid: as dúvidas que rondam julgamento no STF

Foto: Gustavo Moreno/STF

Enquanto adversários e até mesmo aliados de Jair Bolsonaro dão como certa a condenação do ex-presidente por encabeçar uma trama golpista para se manter no poder, a ação penal do chamado “núcleo crucial” é cercada por algumas dúvidas que rondam o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), antes mesmo do início da análise do caso, marcada para esta terça-feira (2).

Integrantes do STF e advogados dos réus que atuam no caso elencaram reservadamente para a equipe da coluna uma série de dúvidas que só deverão ser esclarecidas ao final do julgamento, previsto para ser concluído no próximo dia 12.

Entre as incertezas estão o tamanho final da pena de Bolsonaro; a possibilidade de divergência entre os ministros do Supremo em relação à dosimetria; a adesão à tese de que os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito se absorvem e, portanto, devem ser contados como um só (como pleiteiam as defesas, na busca de uma pena menor); a eventual absolvição de um dos oito réus; e se o tenente-coronel Mauro Cid, delator que fundamentou a denúncia julgada pelo STF, vai ou não perder os benefícios acertados com a Polícia Federal em seu acordo de colaboração premiada firmado em 2023.

Cid foi duramente criticado pelo procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, que o acusou de ter omitido fatos, ter adotado uma “narrativa seletiva” e comportamento ambíguo em seus depoimentos e se opôs a um perdão judicial para o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Tamanho da pena

As penas para os crimes dos quais Bolsonaro é acusado – organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado – podem, somadas, chegar a 43 anos.

Mas aliados do ex-presidente, integrantes do governo Lula e até mesmo advogados que atuam na defesa de outros réus, apostam que Bolsonaro receberá uma pena de, ao menos, 30 anos de prisão, devido ao papel apontado pela PGR de chefe de uma organização criminosa.

“Vai ser muito maior que 17 anos”, diz o advogado de um dos réus, levando em conta que condenados que desempenharam papel muito menor em toda a trama, como os que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro, tiveram penas entre 14 e 17 anos de prisão. Portando, não há como Bolsonaro não receber uma sentença consideravelmente maior. A dúvida é saber quão maior ela será.

Outra incerteza é saber se, após a definição da pena e o ajuste da dosimetria entre os cinco ministros da Primeira Turma, Moraes levará para referendo dos colegas a decisão em que mandou Bolsonaro para a prisão domiciliar. Ou, ainda, se definirá que o ex-presidente deverá cumprir a pena em presídio, vila militar – ou na superintendência da PF em Brasília, que já está se preparando para recebê-lo.

Absorção de crimes

É por conta desse risco de uma condenação elevada que as defesas de Bolsonaro, Walter Braga Netto, Anderson Torres e outros réus pediram não só a absolvição de seus clientes, mas já considerando o cenário de uma eventual condenação, que o STF não os puna por todos os crimes da denúncia de Gonet.

Para os advogados, o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito (de 4 a 8 anos) já absorveria o de golpe de Estado (com pena prevista de 4 a 12 anos de prisão), ou seja, os réus não deveriam ser condenado pelos dois – e sim apenas pelo primeiro.

“A tentativa de depor o governo legitimamente eleito se apresenta como etapa necessária e consequencial da abolição da ordem constitucional. Não é possível conceber a destruição do Estado Democrático de Direito sem o rompimento com os representantes legítimos que dele fazem parte. Portanto, o crime do art. 359-M do Código Penal [golpe de Estado], sendo parte inevitável do resultado pretendido pelo tipo do art. 359-L [abolição violenta do Estado democrático de direito], é por ele absorvido”, sustenta a defesa de Bolsonaro.

Dos cinco integrantes da Primeira Turma que vão julgar Bolsonaro, Walter Braga Netto e companhia, Fux é o único que, até aqui, vai por esse rumo. Em decisões anteriores, ele já deu a entender que o crime de tentativa de golpe de Estado absorve o de abolição violenta do Estado democrático de direito, ou seja, eles devem ser considerados um só, e não ter a pena somadas.

“Acho que o Fux deve ser o único a adotar essa tese, caso decida não absolver o Bolsonaro”, diz um interlocutor do ex-presidente ouvido pelo blog.

Em casos de outros investigados por envolvimento nos atos golpistas de 8 de Janeiro julgados ao longo dos últimos meses sem muito alarde, Fux defendeu uma pena menor, de 11 anos e seis meses, justamente por considerar que os dois crimes não se acumulam. Nesses mesmos processos, Moraes votou por uma condenação a 17 anos de prisão.

É por conta da posição em julgamentos passados que a aposta nos bastidores é a de que deve haver divergência entre os integrantes da Primeira Turma em relação à dosimetria. Fux se tornou o principal contraponto de Moraes no colegiado, mas o presidente da Turma, Cristiano Zanin, também costuma votar por penas mais brandas que as defendidas pelo relator.

O precedente da cabeleireira pichadora

Um dos casos mais emblemáticos do 8 de Janeiro expôs as divisões internas da Primeira Turma quanto à dosimetria dos réus. Foi a ação penal da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). O processo marcou não só o distanciamento de Fux das posições de Moraes, como também sua guinada por penas mais leves – e escancarou as divisões internas da Primeira Turma em relação à dosimetria das penas.

Em abril deste ano, Fux votou por uma pena de apenas 1 ano e seis meses para a cabeleireira, que se tornou uma espécie de símbolo da direita contra os excessos praticados por Moraes. Zanin, por sua vez, optou por um caminho intermediário, ao votar por uma pena de 11 anos.

Mas a posição de Moraes prevaleceu nos casos de Débora e outros julgados pela Primeira Turma porque o relator contou com o endosso de dois aliados incondicionais: Flávio Dino e Cármen Lúcia.

Aceno às Forças Armadas

Se a condenação de Bolsonaro é dada como certa, há dúvidas entre integrantes do STF se Moraes vai condenar os oito réus da trama golpista – ou se demonstrará “boa vontade” e absolverá um dos militares investigados, em um aceno às Forças Armadas.

“Até para parecer imparcial, os ministros devem absolver alguém. Senão, fica feio”, opina um dos advogados que atuam no caso. Uma eventual absolvição ajudaria a esvaziar a narrativa de aliados do ex-presidente de que o julgamento é uma perseguição política – o presidente Donald Trump chegou a dizer que Bolsonaro é alvo de uma “caça às bruxas” ao anunciar o tarifaço de 50% sobre exportações brasileiras.

Conforme informou o blog, boa parte das Forças Armadas torce pela absolvição do general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro.

Generais ouvidos pela equipe da coluna apontam que Heleno é bem quisto na reserva, está com idade avançada (77 anos) e saúde debilitada. Também acreditam que ele desempenhou um papel periférico nos fatos investigados pela Polícia Federal. “O caso dele está baseado em evidências frágeis”, diz um militar de alta patente ouvido reservadamente pela equipe da coluna.

Este não seria o primeiro aceno de Moraes às Forças Armadas. Em abril, o relator votou por rejeitar a denúncia contra o coronel da reserva do Exército Cleverson Ney Magalhães e o general de duas estrelas Nilton Diniz, acusados de integrar o chamado “núcleo de operações táticas da trama golpista.

A situação de Nilton era alvo de preocupação no comando do Exército, uma vez que ele é próximo ao atual comandante, Tomás Paiva, de quem já foi assessor. O comandante tem bom diálogo com Moraes.

Os benefícios do delator

Peça-chave das investigações, o tenente-coronel Mauro Cid possui uma luta particular no julgamento: tentar manter de pé as cláusulas do acordo de colaboração premiada firmado com a Polícia Federal em 2023.

A defesa de Cid insiste na absolvição do delator, mas caso o Supremo decida condená-lo, pede ao tribunal que a pena não seja superior a dois anos, o que afastaria os riscos de o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro perder o posto e a patente.

Em 2023, o tenente-coronel fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, homologado por Moraes, com uma cláusula que previa perdão judicial ou pena privativa de liberdade não superior a dois anos, o que o blindaria do risco de ser expulso das Forças Armadas.

A PGR criticou a “narrativa seletiva” da delação, apontou omissões e se opôs ao perdão judicial do militar. Para Gonet, a redução da pena para o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro deve ser fixada em “patamar mínimo” – com a diminuição de apenas ⅓. Na prática, o parecer de Gonet pavimentou o caminho para Cid perder posto e patente no âmbito da Justiça Militar, caso a posição da PGR seja acolhida pelo Supremo.

“O colaborador não pode ser punido por não falar o que realmente não sabia, sendo totalmente indevida qualquer tentativa de condicionar os benefícios à confissão de fatos não vivenciados ou totalmente desconhecidos”, rebateu a defesa de Cid, frisando que a sua colaboração “foi espontânea, precisa e consistente, cumprindo com todas as obrigações pactuadas”.

O acordo de Cid já havia sido questionado pelo ministro Luiz Fux em março deste ano, durante o julgamento em que votou pelo recebimento da denúncia contra Bolsonaro e outros sete investigados.

“Nove delações representam nenhuma delação”, disparou Fux, em referência aos sucessivos depoimentos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro após inconsistências em oitivas anteriores. “Eu não tenho a menor dúvida que houve omissão. Tanto houve omissão que houve nove delações”.

Fux, aliás, levanta outra incerteza entre alguns defensores ouvidos pelo blog – as chances de pedir vista e interromper a análise do caso, empurrando o desfecho do julgamento para dezembro. Mas, segundo o próprio ministro sinalizou a interlocutores, esse risco não existe.

Uma dúvida a menos para um dos julgamentos mais importantes da história do STF.

Fonte: O Globo

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