Em meio à articulação do governo Lula para enviar ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, parlamentares do PT e da oposição se movimentam para colocar suas digitais no tema, visto como estratégico para as eleições de 2026. Petistas vêm apresentando propostas para ampliar a penalização de crimes como latrocínio e tráfico de drogas, além de endurecer as regras para menores infratores, abordagem normalmente associada à direita. Adversários do governo, por sua vez, além de também investirem no recrudescimento de punições, buscam aprovar textos que podem ampliar as prerrogativas de policiais e de juízes.
Entre parlamentares aliados de Lula, a avaliação é que a esquerda precisa recuperar a narrativa de agir com rigor contra diferentes tipos de crime, inclusive os de colarinho branco. Já na oposição, a ideia é aproveitar que o bolsonarismo preside as Comissões de Segurança da Câmara, com Paulo Bilynskyj (PL-SP), e do Senado, com Flávio Bolsonaro (PL-RJ), para levar adiante propostas apoiadas por governadores de direita e por representantes das forças de segurança estaduais, preparando o palanque eleitoral para 2026.
Representantes do PT no colegiado de segurança do Senado, Fabiano Contarato (ES) e Rogério Carvalho (SE) apresentaram um pacote de “projetos contra a impunidade” neste mês. Uma das propostas de Contarato é para que as penas para latrocínio, hoje contabilizadas com base no patrimônio roubado, sejam calculadas de acordo com o número de vítimas. Com isso, a pena máxima pode dobrar de 15 para 30 anos, por exemplo, no caso de uma única ação que tenha matado duas pessoas.
‘Mea culpa’
O senador também propôs elevar as penas mínimas para corrupção e peculato (desvio de dinheiro público), de dois para seis anos, e transformá-los em crimes hediondos, o que restringiria as possibilidades de que condenados cumpram parte da pena em liberdade. Outra medida é ampliar, de três para até dez anos, o período de internação de menores que cometam atos com “violência ou grave ameaça”.
Contarato, que deve concorrer à reeleição em 2026, afirma que há um “mea-culpa” necessário no PT para “abordar a segurança de forma mais pé no chão”:
— Infelizmente, a gente ficou com alguns rótulos. Direitos humanos é algo mais amplo do que defender a população carcerária. Se tiver que aumentar pena de tráfico de entorpecentes, vamos aumentar. Também não é razoável que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) preveja que um adolescente que esfaqueia professores, como vimos recentemente no Espírito Santo, fique internado só três anos.
Carvalho, que é líder do PT no Senado, propôs a criação de uma punição específica, de cinco a dez anos de prisão, para o domínio territorial exercido por organizações como tráfico e milícia. A punição é agravada, segundo o projeto, para até 15 anos se houver “sabotagem” ou “apoderamento” de prédios públicos ou de instalações de energia. O objetivo, segundo Carvalho, é facilitar o enquadramento dessas organizações, que hoje costumam ser punidas só quando há provas de crimes como tráfico ou extorsão.
— A criminalidade se modernizou e o Estado precisa responder à altura — diz ele, que também deve disputar a reeleição no ano que vem.
A estratégia de criar novos tipos penais não se restringe à base de Lula. Opositor do governo petista e cotado para disputar o governo do Paraná, o senador Sergio Moro (União) apresentou uma proposta neste mês para enquadrar o que classificou como “coação criminosa no tráfico de drogas”. O projeto busca criar uma punição própria, com penas de até dez anos, para ações de domínio territorial vinculadas ao tráfico e que envolvam “uso de violência ou grave ameaça”. Além disso, o texto prevê uma pena de até 20 anos em casos desse tipo que resultam em morte.
O objetivo é abrir uma brecha para tirar do Tribunal do Júri a análise de homicídios cometidos por facções criminosas, ampliando as atribuições de juízes de carreira.
— Há uma escalada de violência no país e boa parte dos assassinatos estão vinculados ao tráfico. É preciso tratar isso com gravidade, e solucionar uma dificuldade prática que existe hoje para punir esses casos, já que o formato atual coloca um certo risco aos jurados. Também é preciso ter as polícias federais atuando mais em sintonia no combate a essas organizações — afirma Moro.
Na Câmara, Eduardo Pazuello (PL-RJ) protocolou cerca de 20 propostas, desde o ano passado, que mesclam o endurecimento da legislação penal com acenos às forças de segurança. Entre as propostas do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro há tentativas de respaldar o uso de reconhecimento facial com inteligência artificial como prova válida para prisões. Outra iniciativa cria uma série de critérios para referendar buscas domiciliares ou revistas pessoais sem necessidade de mandado.
— As leis precisam ser ajustadas para que a polícia cumpra o seu papel, a Justiça puna quem mereça ser punido e o sistema prisional faça cumprir a pena. Se a lei endurecer, isto é uma consequência, mas não o objetivo desse trabalho — afirmou Pazuello.
Resistências à PEC
Além da agenda própria na área de segurança, a oposição ao governo Lula tem manifestado resistências à PEC da Segurança, sob o argumento de que o texto poderia invadir atribuições dos estados, o que tem atrasado o envio da proposta ao Congresso. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, busca angariar apoio ainda para o envio de outros textos, incluindo uma proposta que endureça a punição para quem recebe ou vende celulares roubados.
Encaminhada ao Planalto, a proposta amplia de seis para 12 anos a pena para o crime de receptação qualificada. Além de celulares, o texto inclui cabos e outros equipamentos de telecomunicações.
A pasta também prepara um “pacote anti-máfia”, que visa o combate a organizações criminosas no país, e um projeto que prevê a inclusão de criptomoedas e ouro na legislação sobre lavagem de dinheiro.
A busca por deixar digitais na segurança
- Condenações mais longas: Propostas de Fabiano Contarato (PT-ES) no Senado ampliam a pena mínima para crimes como tráfico de drogas e corrupção, além de endurecer sanção de latrocínio e de menor infrator. Na Câmara, Eduardo Pazuello (PL-RJ) prevê aumentar a pena de “resistência” a ação policial, com uso de arma, de três para 20 anos.
- Acúmulo de crimes de facções: O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou texto para punir o domínio territorial de facções criminosas como um crime específico, que pode se somar a penas por extorsão ou tráfico. Já a bancada bolsonarista quer que o porte ilegal de arma seja crime autônomo ao de tráfico, acumulando ambas as penas.
- Incentivos a policiais e juízes: Sergio Moro (União-PR) quer tirar do Tribunal do Júri a análise de homicídios cometidos por facções do tráfico, delegando-os a juízes de carreira, além de criar punição específica para a prática de “coação”. Pazuello, por sua vez, quer explicitar um rol mais amplo de situações em que policiais podem fazer buscas sem mandato.
- Recrudescer regime penal: Projeto de Pazuello eleva os percentuais de cumprimento de pena que permitem ao condenado passar a um regime mais leve. Contarato apresentou propostas que aumentam as exigências para a remissão de dias de pena, além de dificultar a prescrição de infrações cometidas por menores.
Fonte: O Globo