Diante do momento mais difícil do seu terceiro mandato em relação à sua popularidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a largada nesta quinta-feira a um roteiro de viagens que visa reverter a curva negativa em sua aprovação e apresentar resultados obtidos pelo governo com foco em 2026. A primeira parada é o Rio de Janeiro, onde nesta quinta-feira participa de cerimônia cerimônia de reabertura da emergência do Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte. A estratégia é semelhante adotada pelo petista em seu primeiro mandato, no auge do escândalo do Mensalão, quando rodou o país para tentar se afastar da crise política que enfrentava em Brasília.
A intenção do presidente é tentar encurtar a distância entre a percepção da população sobre o que governo tem feito e as entregas da gestão. Com isso, pretende se capitalizar eleitoralmente para também colher frutos com a melhora na relação com os partidos que integram sua base aliada.
Em meio as mudanças na comunicação que tem sido colocadas em prática pelo ministro da Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, a ideia é imprimir uma nova dinâmica as viagens presidenciais. As novas orientações envolvem menos tempo de palanque com autoridades — ainda que as falas políticas para a região permanecerão no roteiro, mas deverão ser mais enxutas. O cerimonial da Presidência já foi avisado das alterações para que Lula tenha mais tempo de contato com o povo, fazendo com que isso seja captado em imagens e se transforme em engajamento nas redes sociais.
No Planalto, a meta é fazer que as viagens atinjam um público muito além da militância que está no palanque das cerimônias. Até Lula iniciar o roteiro, a equipe de Sidônio ensaiava essa estratégia buscado material no banco de imagens produzidas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert que mostram o presidente circulando pelo país e conversando com as pessoas.
O entorno presidencial vê prejuízo políticos do período em que Lula ficou sem viajar ou teve roteiros abreviados, fase que iniciou em 19 de outubro, quando sofreu um acidente doméstico no Palácio da Alvorada. Lula ficou sem viajar desde a segunda quinzena de novembro, quando foi para a cúpula do G20 no Rio de Janeiro.
Quando ensaiava o retorno das visitas pelo país, o petista foi submetido a uma cirurgia de emergência na madrugada de 10 de dezembro em São Paulo, o que forçou a fazer novo período de repouso. A liberação para viagens veio apenas em 27 de janeiro.
Na visão do seu círculo mais próximo, no Planalto Lula perde o termômetro da população, enquanto na rua “ganha o jogo” e consegue se desgrudar com mais facilidade dos desgastes do governo.
Foco na saúde
Ao estrear com um compromisso relacionado à área da saúde, Lula também tenta lançar holofotes para uma área que quer transformar em bandeira do seu terceiro mandato. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, tem sido cobrada reiteradamente pelo presidente para ampliar o ritmo de entregas da pasta.
A ministra vinha reivindicando há semanas a presença do presidente no ato que marca a reabertura de um espaço para pacientes em estado grave ou que exijam cuidados especializados que estava fechado desde 2020 e avança no plano de Reestruturação dos Hospitais Federais do Rio, uma das metas de gestão de Nísia.
Com queda de aprovação no Nordeste, Lula também pediu atenção especial à região que é seu bastião eleitoral. Pesquisa Genial/Quaest divulgada no fim de janeiro apontou que 60% dos nordestinos aprovam a gestão na região. Em dezembro de 2024, eram 67%. Lula foi aconselhado pelos ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira a priorizar a região nas agendas nas próximas semanas.
Na sexta-feira, Lula vai a Paramirim, no sudoeste da Bahia, para inauguração da primeira etapa da Adutora da Fé, sistema integrado de abastecimento de água que capta água no Rio São Francisco e leva para municípios com insuficiência hídrica.
— É uma região grande do semiárido baiano que não tem grandes mananciais, trazer Lula para essa inaugura faz toda diferença, porque ele mobiliza a própria percepção popular do que o governo tem feito — afirma o deputado federal Jorge Solla (PT-BA), que acompanhará os eventos.
Escalado pelo Planalto a mapear obras de grande porte da sua pasta que possam contar com a presença de Lula na inauguração, o ministro de Integração Nacional, Waldez Góes, afirmou que o presidente estará no Amapá, em 13 de fevereiro, para inauguração de um residencial e para dar ordem de serviço Instituto Federal do Amapá.
Além da agenda positiva para o governo, o roteiro é estratégico por incluir o estado do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), de quem Lula depende para aprovar projetos estratégicos para o governo. Na mesma viagem, está previsto uma parada no Pará no dia 14, com anúncios voltados ao Minha Casa, Minha Vida, atendendo a sugestões de agenda feitas pelo ministro da Cidades, Jader Filho.
Ainda sem confirmação, auxiliares palacianos já preparam viagens para a terceira semana de fevereiro para Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com previsão de assinatura de contratos para a construção de novas embarcações para operações de logística de exploração e produção da Petrobras até 2028. A presidente da estatal, Magda Chambriard e Sidônio conversaram no Planalto na semana passada sobre oportunidades de comunicação de anúncios da companhia e possibilidade de agendas com a presença do presidente Lula.
Já o Ministério do Desenvolvimento Social, desenha uma proposta de viagem com Lula que voltada ao programa Acredita, que oferece crédito a pequenos empreendedores inscritos no CadÚnico. Para março, Lula também deve fazer viagens que envolvam so programas Bolsa Família e políticas de combate à fome.
Em outra frente, a primeira-dama Janja da Silva também fará viagens pelo país acompanhando ministros ao longo do ano para mostrar políticas públicas do governo. A ação, no entanto, não tem interferência da Secom e foi delineada pelo casal presidencial. A expectativa é de que Janja integre roteiros ligados as pautas que acompanha mais de perto, como combate à fome, cultura, políticas para mulheres.
Estratégia do mensalão
A estratégia que Lula tenta aplicar de intensificar as viagens pelo país foi a mesma usada por ele em seu primeiro mandato, durante a crise do mensalão. Na época, assim como agora, a desaprovação do petista ultrapassou a aprovação. Em dezembro de 2005, pesquisa do Ibope (a Quaest não existia) mostrou que 42% dos entrevistados diziam aprovar o governo Lula (uma queda de 20 pontos em relação a novembro do ano anterior) e 52% desaprovam.
Havia ainda naquele momento um risco que Lula enfrentasse um processo de impeachment por causa das denúncias que surgiram em duas comissões parlamentares de inquérito instaladas para apurar o escândalo.
No auge da crise, chegou a Lula, segundo relato de aliados, uma proposta de adversários de que ele não disputasse a reeleição em 2006 em troca do arquivamento das investigações das CPIs.
— Eu não sou Getúlio (Vargas) e não vou me suicidar, eu não sou Jânio (Quadros) e não vou renunciar e não sou (Fernando) Collor para sair daqui enxotado, me encontrem na rua — respondeu Lula, ao comentar a proposta em uma reunião com seus ministros.
O presidente passou, então, a rodar o país. Na época, a estratégia deu certo à ponto de a crise da cúpula do governo com o Congresso não colasse à sua imagem junto à população. Pelos números do Ibope nas simulações da disputa presidencial de 2006, Lula passou de 38% das intenções de voto em janeiro para 48% em setembro, às vésperas do primeiro turno.
O cenário econômico no primeiro mandato de Lula, porém, era mais favorável. Houve superávit primário em todos os anos da primeira gestão, enquanto no ano passado houve um déficit de 0,1% nas contas públicas. O PIB cresceu 3,2% em 2005 e 4%, em 2006. Para este ano, as projeções são de crescimento entre 2,2% e 2,5%.
Ainda que não tenha uma crise como a do Mensalão em curso, auxiliares apontam que dessa vez Lula enfrenta uma crise ainda mais séria, que envolve a inflação de alimentos, por mexer diretamente no poder de compra da população — problema que não pode ser mudado da noite para o dia e que mexe com o humor da população.
Fonte: O Globo