Em 10 anos, procuradores de MT recebem R$ 64,9 milhões em auxílios para livros e cursos

A fachada da Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso Foto: Secom-MT

Em uma década, os procuradores do Estado de Mato Grosso receberam R$ 64,9 milhões em auxílios para a aquisição de livros e cursos de capacitação. Quem recebe o penduricalho não precisa comprovar o gasto com a compra de obras jurídicas ou cursos de aperfeiçoamento profissional, tornando a verba, na prática, uma extensão do salário dos procuradores mato-grossenses, em uma burla ao limite de remuneração de funcionários públicos.

Desde 2019, a Procuradoria-Geral da República (PGR) contesta o privilégio no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento está em andamento, suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, e conta com quatro votos pela inconstitucionalidade dos dispositivos.

Em nota, a Procuradoria de Mato Grosso afirmou que “os recursos são importantes para a capacitação de seus servidores”. “Todos os pagamentos foram realizados em conformidade com a legislação e de acordo com as disponibilidades orçamentário-financeiras”, disse o órgão público.

O “auxílio-livro” e o “auxílio-curso” são pagos pelo Fundo de Aperfeiçoamento dos Serviços Jurídicos, o Funjus, abastecido por honorários em favor do Estado de Mato Grosso, além de taxas cobradas pela Procuradoria do Estado. Os honorários são valores pagos pela parte perdedora de um processo aos advogados da parte vencedora.

O auxílio-livro e o auxílio-curso são semestrais e correspondem, respectivamente, a 10% e 100% dos vencimentos de um procurador de classe especial, o último patamar da carreira na Procuradoria estadual – atualmente, R$ 44 mil. Há ainda um “auxílio-transporte” mensal, fixado em 20% do vencimento do procurador de categoria especial.

O Funjus também remunera com honorários os procuradores locais, paga a anuidade na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) dos procuradores e arca com investimentos na infraestrutura da Procuradoria de Mato Grosso.

A cúpula do Ministério Público Federal pede que todas as vantagens pagas pelo fundo público aos procuradores sejam declaradas inconstitucionais. Segundo a PGR, os auxílios do Funjus configuram burla ao limite de salário de funcionários públicos.

Segundo a Constituição, o teto para o salário de servidores públicos corresponde ao subsídio de um ministro do STF, fixado, atualmente, em R$ 46,3 mil. No entanto, por se tratarem de pagamentos de natureza “indenizatória”, auxílios como os pagos pelo Funjus não são abatidos pelo teto constitucional, levando ao surgimento de “supersalários”.

A PGR observou que, além da burla a um princípio do funcionalismo público, os valores recebidos pelos advogados públicos do Mato Grosso não têm paralelo nem mesmo no setor privado. “As disposições ora questionadas (…) disciplinam o pagamento de verbas a procuradores do Estado sem qualquer limite ou controle, (…) viabilizando a percepção, pela categoria beneficiada, de valores remuneratórios não apenas superiores aos do setor público em geral, mas também aos praticados no setor privado”, afirmou a petição assinada por Raquel Dodge, então procuradora-geral da República.

A ação no STF contra os penduricalhos do Funjus é relatada por Kassio Nunes Marques, que a herdou do acervo deixado por seu antecessor, Celso de Mello. O julgamento se arrasta há um ano, entre sucessivos pedidos de vista.

Em novembro de 2025, Nunes Marques votou pela inconstitucionalidade do auxílio-livro e do auxílio-curso, mantendo o auxílio-transporte. O relator avaliou que os auxílios para livros e cursos são “genéricos e habituais”, além de “destituídos de vinculação a fato objetivo”, pois nem sequer requerem a comprovação do gasto nos objetos a que se destinam. Quanto aos honorários, o ministro julgou ser permitido o pagamento, desde que respeitado o teto constitucional.

O relator foi seguido por Cristiano Zanin, enquanto Flávio Dino divergiu parcialmente. Para Dino, o auxílio-transporte também deve ser declarado inconstitucional. Os três auxílios, na avaliação do ministro, têm “natureza nitidamente remuneratória”. A divergência parcial foi seguida por Cármen Lúcia e Edson Fachin.

Fonte: Estadão

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