O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), disse a interlocutores que, a partir de agora, será um “novo Davi” para o Palácio do Planalto. Mais do que contrariedade, Alcolumbre manifestou revolta com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de indicar o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Vou mostrar ao governo o que é não ter o presidente do Senado como aliado”, afirmou Alcolumbre na quinta-feira, 20, a portas fechadas, depois de saber que Lula confirmara a escolha de Messias.
Dois dias antes, ele já havia sido duro com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que é amigo do advogado-geral da União e, no seu diagnóstico, foi desleal com seus pares.
“Não me procure mais”, avisou Alcolumbre, irritado com o resultado da conversa entre Lula e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na noite anterior. O presidente tentou convencer Pacheco a ser candidato ao governo de Minas, mas o convidado foi categórico: disse que vai encerrar sua carreira política em janeiro de 2027.
Wagner amenizou o mal-estar, sob argumento de que tudo era “boato”. Alcolumbre, porém, confirmou o rompimento. Logo depois do anúncio de Messias, o presidente do Senado começou a desengavetar projetos que aumentam os gastos públicos, além de propostas que incomodam Lula.
A pauta-bomba prevê mudanças no Orçamento para estabelecer um calendário obrigatório de pagamento das emendas parlamentares no primeiro semestre de 2026, ano eleitoral. Alcolumbre também vai criar dificuldades para o governo na CPI do INSS e já tirou da prateleira o projeto de lei complementar que regulamenta a aposentadoria especial dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias.
A proposta foi aprovada pela Câmara em outubro, mas repousava no Senado, a pedido da equipe econômica, porque seu impacto fiscal ultrapassa os R$ 20 bilhões em 10 anos. Agora, Alcolumbre afirmou que vai pautar a votação para terça-feira, 25.
Quarenta e oito horas depois está marcada uma sessão do Congresso para apreciar mais de 50 vetos de Lula a projetos que passaram pelo crivo do Legislativo, entre eles o que afrouxa normas do licenciamento ambiental.
O governo já espera derrotas nos dois casos, mas pretende recorrer ao STF quando o texto aprovado trouxer impacto fiscal, a exemplo do que fez em julho, após o Congresso derrubar o decreto que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
A outra estratégia consiste em investir na disputa política pelas redes sociais para carimbar o Congresso como “inimigo do povo”. A mesma ofensiva ocorreu em setembro, quando a Câmara aprovou uma proposta de emenda à Constituição que protegia políticos de investigações criminais, chamada de PEC da Blindagem. Diante dos protestos, o Senado barrou a iniciativa.
Na avaliação do Planalto, Alcolumbre está agora usando a insatisfação com a escolha de Messias como “pretexto” para obter vantagens, embora defenda Pacheco, ex-presidente do Senado e nome que gostaria de ver na Corte.
Dois ministros disseram ao Estadão, sob reserva, que o escândalo do Banco Master envolve expoentes do Centrão e integrantes do grupo político de Alcolumbre. A operação da Polícia Federal que prendeu o banqueiro Daniel Vorcaro, na esteira da liquidação do Master, acendeu um sinal de alerta no Congresso.
O fundo de pensão Amapá Previdência (Amprev), por exemplo, investiu R$ 400 milhões no Master. Como mostrou o Estadão, foram quatro aportes em letras financeiras do banco e, embora a instituição afirme que os pagamentos aos servidores e aposentados estão assegurados, esse tipo de investimento não tem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito.
O diretor-presidente da Amprev, Jocildo Lemos, foi indicado por Alcolumbre para o cargo. O advogado Alberto Alcolumbre, por sua vez, é irmão do presidente do Senado e conselheiro fiscal da entidade.
Em conversas com aliados, o senador disse que os fatos foram divulgados de forma “distorcida”, com o objetivo de desgastar sua imagem e associá-lo à corrupção. Alcolumbre alega que o Banco Central avalizou o investimento da Amapá Previdência no Master.
A rota de colisão entre o Senado e o Planalto ganha novos capítulos justamente no momento em que o governo enfrenta cada vez mais crises no relacionamento com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O estopim da briga ocorreu com as mudanças feitas no projeto antifacção, batizado como Marco Legal de Combate ao Crime Organizado.
Nesta sexta-feira, Motta rebateu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para quem o texto aprovado, sob a relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), asfixia financeiramente a Polícia Federal. Haddad observou que o projeto, da forma como saiu da Câmara, prejudica operações da Receita ao mudar o destino dos bens apreendidos de facções criminosas, redistribuindo os recursos de acordo com a atuação de cada força de segurança.
O Planalto espera que o Senado corrija “erros” da Câmara e retome a proposta original, enviada pelo Ministério da Justiça. Após a rebelião anunciada por Alcolumbre, no entanto, nenhum ministro arrisca um palpite sobre o que vem por aí. Para Motta, o governo promove uma “narrativa falsa” e faz “tempestade em copo d’água”.
Na prática, a votação do projeto provocou uma divisão na equipe de Lula. Enquanto o presidente, Haddad e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, classificaram a proposta que recebeu sinal verde da Câmara como um texto sob medida para enfraquecer o combate ao crime organizado, integrantes do Ministério da Justiça preferiram comemorar os recuos de Derrite.
O deputado comanda a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e é braço direito do governador Tarcísio de Freitas, cotado para desafiar Lula nas eleições de 2026.
Derrite não conseguiu emplacar no projeto apresentado pelo governo a equiparação de facções criminosas a organizações terroristas. Além disso, teve de apagar o trecho que condicionava a ação da Polícia Federal à concordância dos governadores.
Com o ambiente político conturbado no Senado, aliados de Alcolumbre sustentam, no entanto, que “caprichos e intransigências do governo” não terão mais espaço depois da “ingratidão” de Lula ao não indicar Pacheco para o STF.
Questionado sobre quando despachará a indicação de Messias para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CJJ), Alcolumbre faz mistério. “Agora é cada um dentro das suas próprias prerrogativas. É assim que vamos analisar os próximos passos”, respondeu.
Foi uma estocada na direção de ministros e líderes do PT, que passaram os últimos dias lembrando que a escolha de ministro do STF é uma prerrogativa do presidente da República.
Messias ainda precisa ter o nome aprovado em uma sabatina da CCJ e, depois, passar pelo plenário do Senado. Pela planilha em mãos de Alcolumbre, se a votação fosse hoje, ele não conseguiria mais do que 31 votos, quando necessita do apoio de, no mínimo, 41 dos 81 senadores.
Diante das resistências, o advogado-geral da União quer conversar primeiro com senadores do Centrão e do PL de Jair Bolsonaro. Diácono da Igreja Batista, Messias tem como cabos eleitorais o ministro do STF André Mendonça e a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), também evangélicos.
Mendonça foi indicado por Bolsonaro em 2021 e ficou quase cinco meses esperando Alcolumbre – que era presidente da CCJ – marcar sua sabatina no colegiado.
À época, o senador pressionava o presidente a mudar a escolha e ungir o então procurador-geral da República, Augusto Aras, como ministro da Corte. Não conseguiu.
Quatro anos depois, Alcolumbre quer novamente enquadrar o governo. Agora, porém, não se sabe se ele pretende atrasar o relógio ou obrigar Messias a correr contra o tempo.
Fonte: Estadão


