Com frequência, parece que tudo está instável no momento. A incerteza domina a economia. Nossa política e o planeta estão um caos. Especialistas científicos e servidores públicos foram deixados de lado. Muitos temem que seus empregos possam desaparecer por causa da inteligência artificial.
Não é de se surpreender, portanto, que níveis históricos de norte-americanos relatem estar deprimidos, ansiosos e solitários. Menos pessoas dizem estar muito satisfeitas com a vida do que em qualquer outro momento desde que o instituto Gallup começou a fazer essa pergunta, há um quarto de século. (Recentemente, os relatórios World Mental Health Today e Mental Health Atlas 2024, divulgados pela Organização Mundial da Saúde, a OMS, indicaram que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos mentais.)
Mas talvez exista uma forma prática de nos mantermos em um caminho significativo — uma espécie de “atalho para a felicidade” em tempos caóticos.
Os resultados de um estudo de seis anos conduzido pela Universidade Cornell reforçam um conjunto crescente de evidências de que a rota mais eficiente para o florescimento humano pode ser muito mais simples do que imaginamos. Embora não exista uma solução mágica quando se trata de bem-estar, as evidências sugerem que um exercício relativamente fácil — o de articular o próprio propósito — pode trazer benefícios mentais e até físicos desproporcionais.
Entre todos os norte-americanos deprimidos e ansiosos, ninguém tem fama de ser mais deprimido e ansioso do que a Geração Z. Retratada por psicólogos populares como Jonathan Haidt e Jean Twenge, essa geração seria mimada, narcisista e viciada em celulares. Estatisticamente, há alguma validade nessas generalizações. Mas o psicólogo Anthony Burrow, de Cornell, que dirige o Laboratório de Processos de Propósito e Identidade da universidade, descobriu que, com relativamente pouco esforço, conseguiu revelar um lado completamente diferente da Geração Z.
Desde 2019, Burrow e sua equipe selecionaram cerca de 1.200 estudantes universitários e do ensino médio para receber “contribuições” de 400 dólares — sem contrapartida — para usarem “naquilo que mais importa” para eles, algo que beneficie a comunidade, a família ou até a si mesmos. Antes de conceder os valores (os beneficiários são selecionados aleatoriamente, não com base no mérito das propostas), ele aplica testes padrão para medir bem-estar e emoções. Seis a oito semanas depois da entrega dos 400 dólares — período em que os participantes devem realizar suas contribuições — ele volta a aplicar os mesmos testes, comparando os resultados de quem recebeu e de quem não recebeu o dinheiro.
Os resultados preliminares, que Burrow começou a apresentar em conferências acadêmicas e compartilha publicamente aqui pela primeira vez, são inequívocos. No início, ambos os grupos tinham pontuações semelhantes nas medidas psicológicas. Oito semanas depois, os que receberam as contribuições tiveram pontuações significativamente mais altas em todos os quesitos: bem-estar latente, senso de propósito, pertencimento, sensação de ser necessário e útil, e equilíbrio afetivo (medida das emoções positivas e negativas).
A conclusão de Burrow: “Convide as pessoas a pensar em uma contribuição que queiram fazer e ajude-as a concretizá-la — e elas poderão caminhar pela vida com um senso de propósito maior do que se não tivessem feito isso.”
Essa é uma boa notícia para uma geração supostamente perdida, pois sugere que, no fundo, os jovens da Geração Z são tão cheios de propósito quanto os das gerações anteriores — e que não é preciso muito para cultivar esse senso inato. É um exercício que os pais podem reproduzir para cultivar propósito nos filhos (mais sobre isso adiante) e que as escolas poderiam adotar a baixo custo para formar alunos mais felizes e motivados.
Isso também pode ser uma boa notícia para todos nós. Temos buscado felicidade em uma infinidade de métodos de autoajuda: atenção plena, autocuidado, autocompaixão, perseverança, coragem, resiliência, paixão, gratidão, alegria, “flow”, limites pessoais, intencionalidade e mais. Existem dezenas de centros acadêmicos com nomes como Happiness Lab, Human Flourishing Program e Science of Happiness Project.
Mas talvez estejamos pensando demais. Em tempos sombrios, o caminho mais eficiente para uma vida satisfeita pode ser o de nos submetermos ao mesmo simples exercício: pensar sobre nosso propósito e dar um passo — mesmo que pequeno — em direção a realizá-lo. Não é um substituto para outras intervenções de saúde mental, mas o caminho mais seguro para a felicidade, para muitos de nós, pode ser tão simples quanto isto: pare de tentar ser feliz — e comece a descobrir como fazer outras pessoas felizes.
Os achados de Burrow ainda não foram revisados por pares nem publicados, e seu método pode ter limitações. Mas os resultados são consistentes com um corpo crescente de evidências de que focar no propósito pode ser a maneira mais eficiente de alcançar o florescimento que todos buscamos.
“Vamos parar de confundir as pessoas, fazendo-as acreditar que é mais difícil do que realmente é, e dar a elas orientações mais claras sobre como fazer isso”, diz o professor de psicologia Todd Kashdan, que dirige o Well-Being Lab na Universidade George Mason. “Talvez o que precisemos para reduzir todas as dificuldades internas que as pessoas enfrentam seja… o que Anthony está fazendo — basicamente fazer com que as pessoas olhem para fora e se perguntem: o que quero fazer com meu tempo limitado hoje, nesta semana, neste mês? E, por meio disso, elas acabam não se prendendo tanto ao ruído que acontece dentro da própria cabeça.”
Em um de seus estudos, Kashdan pediu a pacientes com transtorno de ansiedade social que descrevessem qual era seu propósito de vida e monitorassem seus esforços em relação a ele diariamente. Após duas semanas, apresentaram maior autoestima, senso de significado e emoções positivas. Os dias em que relataram progresso significativo em direção a seu propósito foram também dias com aumentos significativos de bem-estar.
Outro estudo, com veteranos da Guerra do Vietnã que sofriam de transtorno de estresse pós-traumático, produziu resultados semelhantes. O valor está em “sair de si mesmo”, diz Kashdan. “Em vez de focar nos sintomas problemáticos, e se focássemos no esforço e no progresso feitos em direção a objetivos com propósito?”
De certa forma, a ciência social está confirmando o que os filósofos já sabiam. Aristóteles acreditava que a boa vida exigia viver com propósito. Nietzsche escreveu que “quem tem um porquê para viver é capaz de suportar quase qualquer como”.
O psiquiatra do século XX Viktor Frankl, que acreditava que seu senso de propósito o ajudou a sobreviver aos campos de concentração nazistas, escreveu que a felicidade “não pode ser buscada; ela deve ocorrer — e só o faz como efeito colateral não intencional da dedicação pessoal a uma causa maior que si mesmo, ou como subproduto da entrega a outra pessoa além de si.”
Pesquisas recentes mostram que um maior senso de propósito está associado à redução da inflamação sob estresse, menor risco de doenças cardiovasculares e AVC, declínio cognitivo mais lento com o envelhecimento e maior longevidade, além de maior perseverança, resiliência, bom humor e capacidade de enfrentar situações estressantes com menos emoções negativas. Pessoas com propósito não são necessariamente mais bem-sucedidas, mas são mais adaptáveis diante de dificuldades.
“Muita da psicologia popular gira em torno de ‘focar em si mesmo, no próprio crescimento, nas próprias necessidades, no autocuidado, em você, você, você’”, aponta a psicóloga Kendall Cotton Bronk, da Claremont Graduate University. Em vez disso, ela argumenta, “o verdadeiro caminho para a felicidade é focar nos outros, em como você pode contribuir para o bem-estar deles. O que precisamos é focar em contribuir de formas significativas — e, muitas vezes, isso leva à felicidade que você procura.”
Tenho pensado muito sobre propósito na minha própria vida ultimamente. Por anos, estive na roda-viva do jornalismo político. Eu reunia os acontecimentos políticos mais revoltantes da semana em colunas e sentia a descarga de dopamina ao vê-las subir para a lista das “mais lidas”. Esse é um exemplo clássico de motivação extrínseca — como os “likes” nas redes sociais — em que organizamos a vida em torno da aprovação dos outros.
Por muito tempo, senti que esse jornalismo tinha propósito: usava minha caneta para responsabilizar os poderosos. Mas, com o tempo, esse senso de propósito diminuiu. Parecia que não havia mais responsabilização na política, e não estava claro se eu estava fazendo algo além de acrescentar mais indignação ao mundo.
Então decidi tentar algo novo — algo mais cheio de propósito. A transição, admito, é difícil. Tenho trabalhado mais horas e lutado para aprender novos temas. Os “cliques” — a recompensa extrínseca — não vêm com a mesma facilidade quando você não está opinando sobre o debate do dia.
Mas estou me esforçando para focar no significado. Estou tentando usar minha caneta para curar — nosso planeta, nossas comunidades, nossa política, nós mesmos. Estou tentando passar da validação extrínseca para a intrínseca: a crença de que estou usando minhas habilidades para um propósito digno. A mudança é estressante, mas focar no propósito tende a reduzir a ansiedade.
Conversei sobre minhas dificuldades com propósito com os professores de psicologia que entrevistei para esta coluna (uma economia de centenas de dólares em terapia), e eles sugeriram que todos deveríamos fazer checagens regulares de propósito conosco mesmos.
Kashdan diz que o melhor exercício é perguntar a si mesmo o que “está faltando no mundo” e, depois, como você pode “preencher um pouco essa lacuna”. O propósito específico não importa; é apenas uma questão de “o que faz você se acender”. Então, comprometa-se a fazer uma contribuição regular e específica — especialmente de tempo — em prol desse propósito e dedique, digamos, 20 minutos a cada dois dias para avaliar seu progresso.
Burrow afirma que sua pesquisa sugere que a contribuição para realizar o próprio propósito não precisa ser “uma grande alocação de tempo ou energia que mude a vida”, mas sim “coisas que podemos encaixar em nossas rotinas diárias”.
Não há propósito certo ou errado. Pode estar relacionado à família, ao trabalho ou a qualquer outra coisa que lhe traga significado e ajude a organizar seus objetivos. Não é necessariamente altruísta (pessoas más também podem ter propósito), mas com frequência é. Seu propósito pode mudar com o tempo. Pode haver mais de um; em momentos diferentes, penso no meu próprio propósito como cuidar da família e dos amigos, fazer as pessoas rirem, restaurar a saúde da minha terra e promover a verdade e o jornalismo responsável.
Os jovens, em especial, parecem ansiar por propósito. Pesquisas recentes mostram que mais de 70% deles atribuem alta prioridade a encontrar propósito em seu trabalho. (No estudo de Burrow, os que tinham menos recursos relataram o maior ganho psicológico ao fazer contribuições.) “O futuro do nosso país depende de como você desenvolve isso”, afirma Brian Collier, cuja Fundação Gambrell financia parte do trabalho de Burrow.
Diversos pequenos esforços buscam incluir declarações de propósito estudantil nos currículos escolares. Burrow, que lançou o Contribution Project em Cornell e no sistema da Universidade Estadual de Nova York, está agora expandindo a iniciativa nacionalmente, para pessoas de 14 a 25 anos, por meio de uma organização sem fins lucrativos chamada Purpose Commons. Neste outono, ele lançará uma pesquisa nacional sobre propósito juvenil, com o objetivo de coletar respostas de 2 mil jovens.
Pais também podem usar essas técnicas para desenvolver um senso de propósito nos filhos. Bronk aconselha que os pais reflitam sobre seu próprio propósito na vida, compartilhem isso com os filhos e perguntem a eles o que querem realizar e em que são bons. Ela oferece um “kit de ferramentas de propósito” online voltado a adolescentes.
Burrow sugere que os pais perguntem aos filhos qual contribuição eles mais gostariam de fazer e conversem sobre como podem começar — com ou sem ajuda financeira.
Ele afirma que sua própria pesquisa contradiz a fama narcisista da Geração Z, já que 95% dos participantes fizeram contribuições que beneficiaram outras pessoas. “Se eles fossem tão autocentrados e egocêntricos, e eu dissesse: ‘Aqui, você pode pensar em qualquer contribuição que queira fazer’, todos comprariam Apple Watches para si mesmos”, comenta Burrow. “Mas não fazem isso.”
O projeto dele enfatiza contribuições comunitárias, então os jovens mais egoístas talvez nem se inscrevam. Mesmo assim, as contribuições feitas pelos beneficiários refutam fortemente os céticos. Uma participante usou o dinheiro para realizar uma festa comunitária em uma lavanderia e pagar 270 lavagens de roupa. Outra doou livros à escola onde havia estudado. Melanie Marshall usou a contribuição para plantar um caquizeiro no meio do campus, para que os estudantes pudessem colher frutas e comer. A jovem árvore talvez demore anos para dar frutos — se der —, mas o benefício para Melanie foi imediato. “Fez com que eu sentisse que minhas ideias importavam”, ela diz.
Para uma geração “ansiosa” e “narcisista”, isso não é pouca coisa. “Acho que muitas pessoas da minha geração são como eu”, diz Eric Kohut, que usou seus 400 dólares para criar um site que oferece recursos de saúde mental para pessoas em seu estado natal, Nova Jersey. “No fundo, todo mundo quer amar e ser amado. E acho que isso se manifesta com muita frequência.”
Fico muito mais feliz só de ouvir isso.
Fonte: Estadão


