Propaganda SkyImob

Idosos ao volante: quais sinais indicam perigo ao dirigir? Saiba como a família deve abordar o tema

Estudo publicado em março por pesquisadores do Centro Multidisciplinar do Idoso do Hospital Universitário de Brasília (HUB/UnB) em conjunto com o Instituto Universitário de Geriatria de Montreal, no Canadá, mostrou que, em condições reais de trânsito, os erros mais cometidos por idosos ao volante ocorrem principalmente em cruzamentos, mudanças de faixa e invasões de vias. No entanto, ao fazerem associação com aspectos físicos e cognitivos, os pesquisadores perceberam algo mais: os idosos que apresentaram baixa velocidade de caminhada no dia a dia — ou seja, que andavam pela rua a passos curtos — foram os que mais se equivocaram em cruzamentos e conversões ao volante, enquanto dificuldades com a gestão de tempo em tarefas do cotidiano e declínio na organização visuoespacial foram associados a um pior desempenho no teste de condução.

A pesquisa saiu na revista científica Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, de alto impacto na área. É o primeiro estudo a contar com uma amostra brasileira de motoristas idosos sem demência residentes na comunidade (no caso, o Distrito Federal) cuja avaliação física e cognitiva foi associada a um sistema de direção padronizado. Esse sistema se chama eDos (Electronic Driving Observation Schedule ou Cronograma Eletrônico de Observação do Motorista) e foi elaborado para um estudo multicêntrico que envolveu os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá – daí a parceria do CMI com o Instituto Universitário de Geriatria de Montreal.

Por meio de duas câmeras – uma dentro do carro e outra de olho na via –, o eDos registra e monitora o comportamento de direção do idoso em sua rota habitual, gerando notas baseadas nos erros. Esses erros são tipificados, assim como é avaliado o ambiente onde ocorreram. O sistema também serve em possíveis estratégias de reabilitação. Por tudo isso, tem sido usado internacionalmente como ferramenta abrangente de estratificação de risco com diferentes desfechos relacionados à direção veicular.

Coautora do artigo, a fisioterapeuta Isabela Oliveira Azevedo Trindade, especialista e mestre em gerontologia, e diretora executiva do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), acompanhou 138 voluntários nos seus próprios carros como passageira e pesquisadora. A faixa etária média dos participantes foi de 70,7 anos. Eram mais mulheres do que homens, porque foram majoritariamente elas que responderam ao chamado para o estudo.

Os critérios de inclusão implicavam dirigir com regularidade (mais de uma vez por semana), ter visão e audição satisfatórias, escolaridade igual ou superior a quatro anos de estudo e não apresentar doença neurológica diagnosticada. No final, o público avaliado apresentava mais de 11 anos de educação formal, direção quase diária e boa saúde geral, sem grandes comprometimentos por comorbidades.

Ainda assim, como explica Isabela, foi possível identificar a questão da cadência lenta como um ponto nevrálgico no ato de dirigir. Idosos que levam mais tempo em testes de caminhada tendem a demonstrar direção insegura.

A psicóloga Juliana Lima Quintas, especialista em neuropsicologia e avaliação psicológica e em gerontologia, que também assina o estudo, explica melhor o segundo achado, associado à gestão de tempo. “Quando estamos dirigindo e temos de entrar numa via à direita daqui a 500 metros, (o cálculo da) hora adequada de começar a desacelerar o carro para fazer essa manobra é feito, cognitivamente, por essa capacidade de administração do tempo para a tarefa”, afirma. Situação temporal semelhante seria programar-se para ir ao supermercado, fazer o almoço e buscar um neto na escola no mesmo dia.

Outro ponto que Juliana destaca é a organização visuoespacial, ou seja, a capacidade de a pessoa se orientar no espaço. No ato de dirigir, essa capacidade está associada à ideia da localização do destino, manter o carro alinhado na via ou calcular se o automóvel cabe ou não numa vaga de estacionamento, por exemplo. Um apoiador externo como o aplicativo Waze não disfarçaria essa deficiência. “Pessoas que têm de fato comprometimento na organização visuoespacial não conseguem aproveitar o Waze porque o aplicativo demanda do cérebro que ele leia o mapa na tela e o transponha para o aqui e agora”, ressalva.

As duas pesquisadoras insistem que a direção veicular é uma concessão dada pelo Estado mediante alguns critérios porque é um comportamento de risco para si e para o outro. “Por isso, o ideal é que o tema da direção veicular seja conversado com a pessoa idosa quando ela está autônoma, independente, para que possa ser orientada sobre esse comportamento, sobre essa concessão, sobre os riscos”, destaca Juliana.

Aval médico importa

Ocorre que o mesmo estudo, quando abordou o parar de dirigir, mostrou que as opiniões familiares nesse sentido estão em baixa. A maioria dos participantes da pesquisa (63,7%) não aceitaria recomendações de parentes para largar o volante, mas 81,2% deles considerariam receber orientação de um médico para aposentar a carteira de habilitação – daí a importância de o profissional de saúde saber avaliar caso a caso, contexto a contexto, e estabelecer estratégias com o idoso para tornar ou manter sua mobilidade segura e responsável.

Encurtar as distâncias seria uma dessas táticas. “Escolher uma academia ou uma clínica de fisioterapia perto de casa seria boa ideia”, pontua Isabela, que também propõe evitar horários de pico de trânsito, dirigir à noite e em dias chuvosos.

Mas ela destaca que aspectos emocionais não podem ser jogados no acostamento. Uma de suas entrevistadas gostava muito de tomar café, bater papo com os feirantes e fazer compras no varejão da Ceasa do Distrito Federal todo sábado pela manhã. Quando a forma de dirigir dessa idosa passou a representar riscos, a família queria que abandonasse o hábito e se restringisse ao hortifrúti da esquina. “Só que havia mais de 20 anos que ela ia à Ceasa, não se estava negociando apenas a fruta da semana”, recorda a fisioterapeuta. A família então providenciou um condutor que a levasse ao entreposto para preservar aquele dia de interação social.

Iracy Garcia da Silva, de 88 anos, não precisou que a família indicasse a hora de parar. Depois de 47 anos pilotando o próprio automóvel por São Paulo e rodovias, sem acidentes nem multas, entendeu que a intensa dor no quadril não combinava mais com o entrar e sair do carro. “O que eu mais gostava, quando dirigia, era a liberdade”, diz, lembrando claramente do seu primeiro automóvel, uma Variant ocre marajó, que foi substituída por diferentes modelos e cores até chegar a um automático. Mas ela não se ressente da aposentadoria ao volante, pois os três filhos estão sempre à mão para onde desejar ir.

Por sua vez, a dentista aposentada Brígida Tameirão Machado, de 69 anos, está na dúvida se compra ou não um novo automóvel depois que, na partilha pós-inventário de seu marido, ela transferiu ao filho dele o carro adaptado que dirigia. “Financeiramente, vale a pena eu usar o aplicativo pelo tanto que preciso, mas, na minha idade, se eu parar de dirigir, vou destreinar e dificilmente vou voltar”, acredita. “Estou nesse dilema existencial.”

Brígida mora em Brasília. Ela foi casada com o artista plástico, jornalista, chargista e poeta Henrique Goulart Gonzaga Júnior, mais conhecido como Gougon, famoso por produzir mosaicos de personalidades como Juscelino Kubitschek, Paulo Freire e Oscar Niemeyer. Gougon faleceu em agosto de 2024, aos 78 anos. O carro adaptado para cadeirante foi uma aquisição necessária, em função da evolução do Alzheimer que acometeu seu marido. Convencê-lo a deixar o volante foi dos maiores desafios da dentista. “Ele amava dirigir, adorava viajar via terrestre. Eu brincava que a menor distância para ele entre dois pontos não era uma linha reta porque, quando estava bem, ia parando de cidade em cidade do mapa para conhecer o que havia ali”, diz.

Ela administrou a situação como copilota enquanto pôde, mas houve um momento em que a demência falou mais alto e foi impossível continuar seguindo daquele jeito. “Gougon entrou em desespero, não adiantava dizer que ele podia morrer se continuasse dirigindo”, lembra a viúva. O único argumento que o convenceu foi aventar que ela poderia falecer num acidente, e ele sobreviver. Gougon temeu perder sua referência maior. Ainda assim, por mais três anos, todas as vezes em que entrava no carro, ele perguntava se voltaria a dirigir.

Há quem esconda a chave do automóvel, diga que o carro está na oficina ou mesmo retire uma peça para que o motor não funcione. Para Juliana, são todas opções válidas quando a demência avançada leva a falhas tão significativas que podem comprometer a segurança da pessoa e de outros no trânsito. “Muitos pacientes com demência têm o que chamamos de anosognosia, isto é, não reconhecem a sua doença ou negam suas limitações”, diz. Nessas situações, as estratégias de conversa e orientação não são eficazes porque a pessoa não se percebe com um distúrbio dessa magnitude.

Segundo o geriatra Leonardo Pitta, professor de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS-DF) e supervisor do Programa de Residência Médica em Geriatria do Hospital de Base-DF, o risco de acidente para motoristas idosos, considerando a distância dirigida e o avanço da idade, aumenta de três a 20 vezes, quando comparado ao risco de acidente para motoristas adultos.

Nem por isso se justifica correr outro tipo de risco, o idadismo (ou etarismo). “Não é porque a pessoa envelheceu que ela vai necessariamente ter perda de autonomia, inclusive para decidir sobre a própria mobilidade”, afirma Juliana. Mas fechar os olhos para o outro lado também consiste em infração grave. “Se estiver comprovado um prejuízo importante no processo cognitivo, temos de intervir pela pessoa, pois não é ela quem vai intervir por si”, completa.

Fonte: Estadão

WhatsApp
Telegram
Facebook
X

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress