Como o cotidiano das escolas será afetado neste ano letivo com a proibição do uso dos celulares por estudantes de toda a educação básica?
Estudantes que já encararam essa mudança antes mesmo da legislação implementada no estado de São Paulo. Educadores e outros especialistas também foram entrevistados para debater os benefícios e os desafios do banimento dos smartphones no ambiente escolar.
A medida vale para aulas e para intervalos, recreios e atividades extracurriculares.
Diretores de escolas, tanto da rede pública quanto da particular, falam sobre a importância de se envolver os alunos e as famílias na discussão e na implementação do banimento. “Precisamos fazer um desmame do celular apresentando outras alternativas para os estudantes, além de criar um espaço de diálogo entre eles, os familiares, os gestores e os professores para abordar os motivos da proibição e como vai funcionar na escola”, afirma Luiz Carlos Teodoro Junior, diretor da Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo.
Cisele Ortiz, coordenadora-adjunta do Instituto Avisa Lá, que faz formação continuada de educadores, lembra que os limites que os adultos colocam para crianças e jovens “dão a eles um contorno afetivo”, mas ressalta que eles precisam entender que “não é a proibição pela proibição”. “Devemos ir negociando com as crianças e com os adolescentes a forma de fazer isso, falar sobre o tempo de tela, sobre a finalidade do uso dos celulares, ajudá-los a fazer as escolhas”, afirma a educadora.
A experiência de quem, mesmo antes da lei, já colocou em prática o banimento é relatada por estudantes e pela diretora Claudia Siqueira, da Castanheiras, escola particular de Santana do Parnaíba (Grande São Paulo), que proibiu os celulares no início de 2024. “Fomos aplaudidos por muitas famílias, não por todas. Mas a comunidade escolar se organizou para debater e apoiar a medida”, conta a diretora.
“Tivemos estudantes que burlaram nos primeiros dias. Mas, aos poucos, eles foram percebendo que a regra era para valer e também se abriram para as alternativas que começamos a criar para os recreios, colocando à disposição deles mais bolas, jogos de tabuleiro e cordas, por exemplo”, relata Siqueira.
Com isso, o que aconteceu, bem no começo, foi que a enfermaria da escola começou a lotar, porque as crianças e os jovens passaram a brincar, correr e a praticar esportes, atividades com as quais não estavam acostumados quando só ficavam no celular. “É melhor um joelho ralado do que crianças e jovens com ansiedade”, diz a diretora.
Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, o médico Paulo Telles afirma que, de fato, há dados apontando queda na taxa de atendimento em prontos-socorros ortopédicos infantis nos últimos anos, “porque as crianças estão brincando cada vez menos”. “Não estão correndo, subindo em árvores, ficam o tempo todo nas telas e, com isso têm muito menos lesões”, ele diz. “Parece uma coisa boa, mas, na verdade, é uma péssima notícia. A criança precisa dessa exposição, precisa estar em contato com a natureza, cair e se levantar para que tenha um desenvolvimento adequado.”
Estudantes relatam as dificuldades iniciais para ficar sem celular. Uma aluna diz que pensou até em sair da escola quando soube da proibição. Mas eles admitem que, com o tempo, perceberam uma melhora geral no aprendizado e nas relações sociais.
Autora do projeto de lei que deu origem ao banimento no Estado de São Paulo, a deputada Marina Helou (Rede) diz que a ideia não é ser contra a tecnologia.
“A tecnologia pode ser uma boa aliada para a educação”, afirma. “Mas o que acontece hoje não é que os alunos estão fazendo uma visita on-line guiada ao [Museu do] Louvre no recreio ou pesquisando sobre mitocôndrias no ChatGPT, eles estão [nas redes sociais, deslizando o dedo nas telas] vendo vídeos e mais vídeos do Tik Tok”, afirma.
Telles sublinha que as redes sociais “usam a neurociência para fazer com que o cérebro receba dopamina e que as pessoas fiquem nesse ciclo de querer cada vez mais”. Ele defende que a sociedade precisa entender isso para que as big techs sejam responsabilizadas pelos danos que estão causando especialmente a crianças e jovens.
Fonte: Folha de S. Paulo