Apesar das discussões em torno da adoção ou não do horário de verão, especialistas acreditam que a bandeira vermelha patamar 2, em vigor neste mês de outubro, deve se manter até dezembro deste ano. Na prática, isso significa que, após subir 5,3% em setembro, respondendo por quase metade da inflação, a conta de luz terá nova alta este mês (quando foi adotado o patamar 2) e seguirá sob pressão até o fim do ano.
Com os níveis dos reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste em torno de 44%, os próximos meses serão marcados por uma conta de energia mais cara devido à utilização das usinas térmicas, que serão acionadas para poupar o volume de água das usinas hidrelétricas.
Para Mayra Guimarães, diretora de Regulação e Mercado da consultoria Thymos, a expectativa é que a bandeira vermelha patamar 2 se mantenha na conta de luz até dezembro. Isso ocorre apesar da expectativa de que as chuvas previstas para o próximo período úmido (que começa neste mês e vai até março) se mantenham dentro da média histórica dos últimos 30 anos.
Segundo ela, o nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste neste mês de outubro está menor do que os 73% registrados no mesmo período do ano passado, mas ainda é maior do que os 24% registrados em 2021, ano da última crise do setor. Além disso, os rios da região Norte atingiram o pior nível dos últimos 100 anos.
— Não é um cenário de racionamento, mas de atenção e preços elevados. O ONS acionou as térmicas para poupar os reservatórios para a chegada do período úmido, que vai até março. No último período seco, o volume de chuvas foi muito fraco. Para a temporada de chuvas, a previsão é positiva, mas podemos ver uma demora no início das chuvas, talvez mais para o fim do mês.
O acionamento das usinas térmicas impacta diretamente o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), calculado diariamente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e que baliza o preço da energia no mercado à vista (spot).
Segundo Mayra, o PLD hoje está no teto, especialmente entre 16h e 22h, para atender ao maior consumo. O PLD interfere diretamente no acionamento das bandeiras tarifárias, e ela explica que o PLD deve permanecer elevado até dezembro, voltando a cair apenas em fevereiro.
— Até dezembro, há uma perspectiva de manutenção da bandeira vermelha patamar 2. Se as chuvas acontecerem, em janeiro poderemos ter bandeira amarela. Será um verão de energia cara, como em 2022.
Alexandre Nascimento, diretor da Nottus, de previsão climática, lembra que, mesmo com a previsão de chuvas a partir das próximas semanas, não haverá um aumento da vazão de forma tão rápida.
— As primeiras chuvas selam o fundo das bacias e só depois começam a se acumular nos reservatórios do país, exceto nas usinas a fio d’água, que não possuem reservatórios. Nesses locais, a água corre imediatamente, gerando energia. Este ano, as chuvas devem estar dentro da média histórica, mas podem atrasar de duas a três semanas.
Nos últimos anos, os impactos do El Niño aumentaram o volume de chuvas no Sul e elevaram a temperatura no Norte, gerando fenômenos climáticos mais intensos. Agora, o fenômeno La Niña, que está gerando menos alterações que o previsto, não deve travar a frente fria do Sul para o Norte. No entanto, os meses serão mais quentes.
— Devemos ter uma temperatura de dois a três graus acima da média histórica, mas não será como os oito graus acima registrados no ano passado.
Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e doutor em Engenharia de Produção, destaca que as condições dos reservatórios ainda são muito incertas para o mês de novembro. Para ele, a tendência é que siga como em outubro, com a bandeira vermelha patamar 2.
— Não será surpresa a manutenção do nível 2 da bandeira vermelha em novembro. Também não é descartável esse mesmo cenário em dezembro. No dia 5 de outubro, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste estavam em 44,5% e devem chegar ao fim do mês com 37%. Se chover na média de longo prazo em novembro, há grandes chances de bandeira vermelha patamar 2 também em dezembro. Novembro, mês de transição, é um mês-chave.
Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto Ilumina, destaca, por sua vez, que o cenário climático está cada vez mais imprevisível. Ela cita os efeitos das secas prolongadas, o que pode agravar ainda mais a recuperação dos reservatórios:
— O preço da energia vai depender do retorno das chuvas. A recomposição dos reservatórios está cada vez mais complexa por conta dos processos de seca. Com o aumento da temperatura, os solos estão mais ressacados, o que toma mais tempo para recompor o lençol freático e as bacias onde estão os reservatórios, a maioria no Sudeste. Além disso, é preciso que chova no lugar certo. Portanto, depende de uma série de variáveis.
Segundo ela, a bandeira tarifária é uma sinalização feita de forma antecipada para indicar a situação do setor:
— A recomposição dos reservatórios fará com que carreguemos a bandeira até o fim do ano. E hoje já vemos o impacto sobre a inflação da eletricidade provocado pela bandeira nível 1, e há um aumento maior por vir. Isso é uma pressão inflacionária vinda da nossa estrutura produtiva, e não de demanda. A eletricidade está em tudo. Quando sobe a eletricidade, o índice de inflação também sobe.
E acrescenta:
— É a repetição de um problema que já vimos no passado, e quem paga é o consumidor, sobretudo o regulado. É ele quem está assumindo todo o preço da garantia do sistema, com as térmicas, que é compensado pelas bandeiras. E não é todo mundo que paga a bandeira.
Fonte: O Globo