Recentemente, Michela completou 49 anos. Ela pensou em se obrigar a celebrar, mas quando duas amigas se ofereceram para levá-la para sair, ela disse não. Primeiro, teria de passar um tempo se arrumando. Depois, precisaria participar de conversas, agir com entusiasmo, aproveitar o momento. “Tudo isso demanda tanto esforço”, ela diz. “Eu simplesmente não tenho energia.”
Michela, que pediu para ser identificada pelo primeiro nome, não estava apenas tendo um dia ruim. Há anos ela tem dificuldade de aproveitar as coisas da vida que normalmente lhe trariam alegria e sente pouca motivação para buscá-las — uma experiência chamada anedonia.
A anedonia não é um diagnóstico, mas sim um sintoma comum de doença mental. É um sintoma silencioso, não um sinal estridente de que algo está errado. E, para algumas pessoas, isso pode significar que ele passa despercebido, informa Judith F. Joseph, professora assistente clínica de psiquiatria infantil e adolescente na Escola de Medicina Grossman da NYU.
“Não é vista como uma crise”, destaca Judith. Mas, de certa forma, é, ela acrescenta. “É uma crise existencial.”
E embora a maioria das pessoas não esteja familiarizada com a palavra “anedonia”, elas deveriam estar, pontua ela. É um dos marcadores centrais do transtorno depressivo maior, com o qual Michela vive, e também está ligada a outras doenças, como esquizofrenia, transtorno por uso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático, ou TEPT.
Perguntamos à Judith e a outros especialistas o que devemos saber sobre anedonia e por que ela pode ser tão angustiante.
O que é anedonia?
A anedonia tem sido definida há muito tempo como uma capacidade reduzida de sentir prazer, mas, nos últimos anos, profissionais de saúde mental também a associam à falta de motivação para buscar alegria.
Os alimentos que antes tinham um ótimo sabor agora podem parecer sem graça. O museu que costumava provocar sentimentos de admiração já não desperta nenhum interesse. Até levantar da cama pode parecer uma tarefa para alguém com anedonia — e essa pessoa pode começar a se afastar de pessoas importantes em sua vida.
“Eu me sinto estranha” ou “não me sinto eu mesma” são refrões comuns, comenta Judith. Quem tem anedonia também pode descrever uma sensação de dormência ou vazio.
“Eu tive uma paciente que adorava ir a shows de dança — ela tentava ir e não sentia nenhum prazer em estar lá”, lembra Mark Rapaport, presidente eleito da Associação Americana de Psiquiatria. “Ela simplesmente ficava sentada.”
Isso pode soar como depressão, mas é possível ter anedonia sem receber diagnóstico de transtorno depressivo maior, que exige que os pacientes tenham pelo menos cinco sintomas diferentes que causem sofrimento ou prejudiquem o funcionamento.
A anedonia pode variar de pessoa para pessoa. Algumas podem sentir menos alegria do que normalmente sentiriam, enquanto outras não sentem alegria alguma. Ter um breve período de anedonia pode ser normal, mas se durar dias ou semanas, isso pode ser um sinal de algo mais sério.
E, se não for tratada, os efeitos em cascata são muitos: a anedonia pode prejudicar o humor, o sono e a nutrição. E está associada a dificuldade em gerir a própria vida e relacionamentos, pior resposta a tratamentos de saúde mental e maior risco de suicídio.
Por que as pessoas experimentam a anedonia?
Os cientistas ainda estão tentando descobrir as causas fundamentais da anedonia.
Pesquisas sugerem que ela pode ser parcialmente atribuída a mudanças na atividade de certos neurotransmissores, os mensageiros químicos do cérebro. A dopamina, por exemplo, é o neurotransmissor associado ao desejo de algo e à motivação para buscá-lo.
Michael Treadway, psicólogo clínico e neurocientista cognitivo da Universidade Emory, investiga até que ponto a inflamação pode desempenhar um papel ao prejudicar a quantidade de dopamina que o corpo produz.
“A questão principal é: conseguimos descobrir como identificar quem tem esse tipo de vulnerabilidade?”, ele diz. Se sim, “poderíamos desenvolver muitas estratégias preventivas e de intervenção realmente eficazes”.
Outras pesquisas estão examinando se isso ocorre em famílias — algumas evidências apontam para um componente genético. Há também evidências de que estressores crônicos e incontroláveis, como viver na pobreza ou enfrentar discriminação, também podem gerar anedonia.
Além disso, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, comumente usados para tratar depressão e outros transtornos psiquiátricos, são conhecidos por provocar um entorpecimento emocional — uma sensação que pode imitar aspectos da anedonia.
Como a anedonia é tratada?
Não existe um medicamento aprovado pela Food and Drug Administration (FDA, agência similar a Anvisa) especificamente para tratar a anedonia. Mas se você tiver um transtorno subjacente, como depressão, tratá-lo pode ajudar a melhorar os sintomas de anedonia. Dormir o suficiente e fazer exercícios regulares também é importante.
Um tipo de terapia chamado ativação comportamental também pode ser eficaz para pessoas que vivem com anedonia. “Às vezes é chamada, brincando, de ‘a terapia Nike’, porque o lema é: ‘Just do it’ (Apenas faça),” conta Treadway.
O princípio orientador da ativação comportamental é que o comportamento pode afetar seu humor e bem-estar. Se você se empurra, gentilmente, para fazer coisas que são importantes para você, ajuda seu cérebro a lembrar como é boa aquela sensação, o que pode motivá-lo a fazer essas coisas novamente.
Judith incentiva qualquer pessoa que ache que pode ter anedonia a procurar um profissional de saúde mental. “A alegria não é algo supérfluo”, ela avisa. “É essencial.”
Fonte: Estadão


