Julgamento raro no STM pode tirar postos e patentes de Bolsonaro e de generais condenados em trama golpista

Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha ao assumir o STM: eventual punição seria inédita em casos de tentativa de golpe de Estado; avaliação é de competência exclusiva da corte — Foto: Brenno Carvalho/12-3-2025

Depois da condenação no Supremo Tribunal Federal (STF), os militares enfrentarão novo escrutínio. No Superior Tribunal Militar (STM), o capitão Jair Bolsonaro, o almirante Almir Garnier Santos e os generais Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Walter Braga Netto terão a eventual perda do posto e patente analisada pelos ministros. A punição seria inédita por tentativa de golpe.

A avaliação é de competência exclusiva do STM, e por isso o STF não se debruçou sobre esse ponto nas sessões realizadas em setembro e que impuseram as penas de prisão aos condenados. A Constituição determina que um oficial pode ser expulso quando é condenado a mais de dois anos de privação de liberdade.

— Ser considerado indigno para o posto e a patente é algo muito grave e simbólico na carreira de um militar. Isso tudo está servindo de alerta para as Forças Armadas de que algo mudou, porque finalmente está havendo julgamento e condenação — avalia o historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que publicou este ano o livro “Utopia autoritária brasileira”.

Ontem o ministro da Defesa, José Múcio, afirmou que o processo chega ao fim sem abalos institucionais:

—Está se encerrando um ciclo, no qual os CPFs estão sendo responsabilizados e punidos, e as instituições estão sendo preservadas —afirmou o ministro, após participar de evento na Câmara.

A representação precisa ser enviada ao STM pelo Ministério Público Militar (MPM). Como noticiou o blog da colunista Míriam Leitão, do GLOBO, existe a possibilidade de que isso seja feito ainda este ano, mas o prazo é curto, já que o recesso do Judiciário começa em 19 de dezembro.

O Procurador Geral Militar, Clauro Roberto de Bortolli, tem sido célere no encaminhamento de representações ao STM. Tudo depende do rito processual e do tempo que o comunicado do STF levará para chegar ao MPM.

Feita a representação, cabe à presidente do STM, Maria Elizabeth Rocha, distribuir a ação. De qualquer forma, o julgamento do ex-presidente e dos generais só ocorrerá no primeiro semestre do ano que vem.

“Oficie-se à presidência do Superior Tribunal Militar e à Procuradoria Geral do Ministério Público Militar (…) para decidir sobre a perda do posto e da patente de Jair Messias Bolsonaro”, escreveu em despacho de ontem o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O ineditismo da punição na esfera militar, agora, se daria por causa da motivação em si. Não é incomum o STM impor a militares a perda de patente e do posto, mas isso costuma acontecer como reação a episódios de malversação de dinheiro público, por exemplo, não por crime político.

— Existe toda uma estrutura hierárquica, de prestígio, quando a pessoa chega às mais altas patentes. É algo que também será complexo para as Forças. Estamos falando de militares que foram líderes de uma série de momentos da própria instituição, e que teriam suas carreiras descredibilizadas com essa perda de patente — observa Martina Spohr, professora da FGV CPDOC, que pesquisa as Forças Armadas e considera improvável o STM não impor o novo revés aos oficiais.

Dos 34 denunciados de diferentes grupos da trama golpista, 23 são militares da ativa ou da reserva. Assim como no caso do “núcleo crucial”, o futuro desfecho dos julgamentos resultará no encaminhamento ao MPM e à posterior representação ao STM, se houver condenação.

Histórico

A própria condenação no STF foi inédita e quebrou o histórico de impunidade que marca as diversas tentativas de golpe empreendidas no Brasil. Forjados na ideia de “tutela” e na visão de si mesmos como “poder moderador”, os militares brasileiros participaram de movimentos de ruptura desde a Proclamação da República, mas nunca tinham sido responsabilizados por eles. A concessão de anistias a integrantes da caserna também é recorrente nos mais de 130 anos de período republicano.

Do início da República até a ditadura instaurada em 1964, tentativas de golpe, algumas bem-sucedidas, assolaram presidentes, que também se beneficiaram delas.

Começou cedo, já que a própria proclamação é considerada um golpe dado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Logo depois, houve insurreições ainda na Primeira República, entre 1889 e 1930, em episódios como a Revolta da Vacina e o tenentismo. Nas décadas seguintes, Getulio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart passaram por diferentes formas de pressão militar, que culminaram no golpe de 64. (Com Bernardo Mello e Luísa Marzullo)

Fonte: O Globo

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