A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) Alessandro Stefanutto e mais oito pessoas durante uma nova fase da Operação Sem Desconto, que apura descontos indevidos em aposentadorias e pensões. Entre os dez mandados de prisão preventiva expedidos, um segue em aberto. A polícia também executou 63 mandados de busca e apreensão e outras medidas em 14 estados e no Distrito Federal.
Além de Stefanutto, também foram presos:
- O ex-diretor do INSS André Fidelis;
- O ex-procurador-geral do INSS Virgílio Antônio de Oliveira Filho;
- Thaisa Hoffmann, esposa de Virgílio;
- O diretor da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) Tiago Abraão Ferreira Lopes;
- O contador da Conafer Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior;
- O empresário Cícero Marcelino de Souza Santos, que prestava serviços à entidade; Vinícius Ramos da Cruz, presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT).
O presidente da Conafer, Carlos Lopes, também foi alvo de um mandado de prisão, mas não foi localizado pelos agentes e segue foragido.
Além deles, também foi alvo de uma nova ordem de prisão o lobista Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como “Careca do INSS”. Ele já se encontra preso no Complexo da Papuda, em Brasília. O presidente da Conafer, Carlos Lopes, também está entre os alvos de mandado de prisão.
Em nota, a defesa de Stefanutto afirmou que a prisão é “completamente ilegal”, já que ele “não tem causado nenhum tipo de embaraço à apuração, colaborando desde o início com o trabalho de investigação. Os advogados afirmam ainda que o ex-presidente da autarquia vai “comprovar a inocência”.
Já entre os alvos de mandados de busca e apreensão estão o ex-ministro da Previdência José Carlos Oliveira, que ocupou o cargo no governo de Jair Bolsonaro, e o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG). No caso de Oliveira, houve decisão para que ele use tornozeleira eletrônica.
O deputado Pettersen afirmou, em nota, que “apoia integralmente o trabalho das autoridades competentes” e se coloco “à inteira disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários”. “Acredito na justiça, na verdade e na importância das investigações sérias, conduzidas dentro da legalidade e com total transparência”, escreveu ele.
A PF informou que os alvos são investigados pelos crimes de inserção de dados falsos em sistemas oficiais, constituição de organização criminosa, estelionato previdenciário, corrupção ativa e passiva, além de atos de ocultação e dilapidação patrimonial”. A última fase da operação havia sido deflagrada em outubro.
Stefanutto foi afastado do cargo no INSS por decisão judicial em abril deste ano, quando a PF deflagrou a primeira fase da operação. Ele é servidor público de carreira e aliado do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi, que deixou o cargo após a operação.
Stefanutto atuou para liberar descontos
Os investigadores apontaram que Stefanutto atuou para liberar descontos em massa em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). A autorização ocorreu mesmo após parecer inicial da Procuradoria do órgão contra a liberação dos descontos.
Relatório da PF indica que a decisão que liberou pelo menos 34 mil descontos “foi tomada com base em justificativas que se mostraram infundadas e contrárias à legislação”. No dia em que a operação contra as fraudes do INSS foi deflagrada, Contag disse que “sempre atuou com ética, responsabilidade e tem se empenhado ativamente no aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos projetos e convênios que administra, sempre em conformidade com as normas legais”.
Quem é
Além de ocupar cargos de indicação política, Stefanutto foi técnico da Receita Federal e procurador da Advocacia-Geral da União (AGU), onde permanece vinculado. Ele chegou a ter a indicação à chefia do INSS comemorada em nota oficial do site do partido. Após a operação, a legenda divulgou comunicado negando ter o indicado ao cargo.
Antes de assumir o posto mais alto do INSS, Stefanutto chegou a ocupar outras funções dentro da instituição. Em 2023, chefiou a Diretoria de Orçamento, Finanças, Licitações, Contratos e Engenharia, e entre 2011 e 2017 atuou como procurador-geral do órgão. Também representou o INSS como conselheiro na Caixa Seguradora. Participou, ainda, da equipe de transição do governo Lula na área de Previdência.
Formado em Direito pela Universidade Mackenzie, Stefanutto possui especializações em instituições como a FGV e a Universidade de Alcalá (Espanha), onde se tornou mestre em Sistemas de Seguridade Social. Seu currículo inclui pós-graduação em Gestão de Projetos, estudos em Mediação e Arbitragem, além de mestrados internacionais em Direito pela Universidade de Lisboa e pela Università degli Studi di Milano.
A trajetória profissional teve início na Marinha do Brasil e passou por cargos como técnico da Receita Federal, com atuação em tributos internos e área aduaneira, e procurador federal da AGU.
Além da atuação técnica e jurídica, Stefanutto também tem produção acadêmica: é autor do livro “Direitos Humanos das Mulheres e o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos”, cuja introdução foi escrita por Maria da Penha Fernandes, símbolo da luta contra a violência de gênero no Brasil.
Ao assumir a presidência do INSS, Stefanutto enfrentou desafios como a fila de mais de 1,7 milhão de requerimentos de benefícios, a necessidade de modernização do sistema Meu INSS e um quadro de servidores defasado. Sua indicação, celebrada pelo PSB – partido ao qual é filiado –, foi vista como tentativa de combinar conhecimento técnico com sensibilidade política em uma área central para milhões de brasileiros.
Entenda o esquema
Sindicatos e associações cobraram de aposentados e pensionistas descontos nos seus pagamentos entre 2019 e 2024. A Polícia Federal e a Controladoria Geral da União apontam, entretanto, que a permissão para os descontos eram fraudadas. Com isso, milhares de pessoas tinham parte de suas aposentadorias descontadas sem sua autorização.
Com isso, a arrecadação dos sindicatos por meio dessas mensalidades aumentou de forma significativa nos últimos dois anos. Os investigadores calcularam que o valor do prejuízo pode chegar a mais de R$ 6 bilhões.
Já no ano passado, a CGU, o Tribunal de Contas da União e o próprio INSS realizaram fiscalizações para apurar o aumento de descontos para associações e sindicatos. No seu relatório, a Controladoria Geral da União identificou que 70% das 29 entidades autorizadas a fazer descontos na folha de pagamento de aposentados e pensionistas não entregaram a documentação necessária ao INSS.
O escândalo levou ao afastamento de Stefanutto da presidência do INSS, e o desgaste político provocou a troca no Ministério da Previdência, com a saída de Carlos Lupi e a entrada de Wolney Queiroz.
Diretores receberam mais de R$ 17 milhões
Segundo as investigações, integrantes da direção do INSS receberam mais de R$ 17 milhões por meio de transferências de indivíduos ligados às associações, além de bens de luxo, como um veículo da marca Porsche, que custa pelo menos R$ 500 mil. O veículo, segundo a PF, teria sido transferido para a esposa do procurador do INSS.
O ‘careca do INSS’
A figura central na distribuição das supostas propinas seria Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”. Um relatório das movimentações financeiras de Antunes apontam que ele movimentou R$ 53 milhões provenientes de entidades sindicais ou empresas relacionadas a elas.
Antônio Carlos declara sua ocupação profissional como “gerente”, com renda mensal de R$ 24.458,23. A PF aponta, porém, movimentações bancárias “muito superiores à sua hipotética renda”. Ele nega que tenha cometido irregularidades.
Fonte: O Globo



