Guerra de CPIs: Comissão do INSS ‘pisa em ovos’ e vai dividir holofotes com a do Crime Organizado

Criada há quase três meses por iniciativa da bancada oposicionista, a CPI do INSS passará a dividir os holofotes com uma nova comissão parlamentar, a do Crime Organizado, que será instalada pelo Senado nesta terça-feira, 4. O tema está alta em evidência depois de episódios com facções no Rio de Janeiro e em São Paulo e deve ser central nas eleições e 2026.

Até aqui, a CPI do INSS não conseguiu cumprir a expectativa de agir como rolo compressor contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde que a comissão foi instalada, a base do petista montou uma artilharia contra aliados de Jair Bolsonaro (PL) ao expor ligações da gestão passada com figuras supostamente envolvidas no esquema de descontos ilegais em aposentadorias.

Menções em inquéritos e depoimentos a auxiliares dos presidentes da Câmara e do Senado também inibem os trabalhos. O resultado é uma CPI com deputados e senadores, de um lado e de outro, “pisando em ovos”.

O relator da CPI do INSS, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), não acredita em esvaziamento, nem teme a concorrência com a nova CPI.

“São temas distintos, ambas as CPIs são importantes para o futuro da nação. O importante é que tenhamos resultados concretos com a responsabilização de envolvidos, bloqueio de recursos desviados e mecanismos de proteção legal aos aposentados e pensionistas com devolução justa dos recursos desviados e legislação protetora ao sistema previdenciário”, disse.

Gaspar tem sido frustrado pela maioria governista na CPI do INSS. A base de Lula conseguiu derrubar requerimentos sensíveis ao Palácio do Planalto na CPI.

É o que ocorreu, por exemplo, no último dia 9, quando houve a derrubada de requerimentos de convocação de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Naquele mesmo dia, parlamentares votaram contra a quebra de sigilo do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi e a prisão de Milton Baptista Filho, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), do qual Frei Chico é vice-presidente.

O grupo governista já havia articulado dias antes a rejeição de um pedido de convocação de Gustavo Marques Gaspar, ex-assessor do senador governista Weverton Rocha (PDT-MA), por ligação com um operador de Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS.

O aprofundamento das apurações sobre os subníveis da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), uma das maiores beneficiadas pelos descontos associativos também está travado, como mostrou o Jornal Estadão.

O estado geral de alerta na CPI do INSS subiu de patamar quando a investigação da PF resvalou em nomes próximos aos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Governo e centrão vetaram pedidos de quebra de sigilo de Paulo Boudens, ex-chefe de gabinete de Alcolumbre. Ele apareceu em relatório da PF como destinatário de R$ 3 milhões repassados por uma associação que teria por trás o Careca do INSS, apontado como figura central do suposto esquema.

Já Motta teve ex-auxiliar citado na CPI. Jerônimo Arlindo da Silva Júnior, um diretor da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer), entidade no centro das denúncias, foi secretário do gabinete do deputado entre 2020 e 2021.

A Conafer, uma das campeãs de arrecadação com descontos a aposentados suspeitos de serem ilegais, tem sua cúpula próxima de políticos bolsonaristas e do Centrão.

Sobre a oposição, pesa a atuação de Pietro Lorenzoni, filho do ex-ministro da Previdência Social Onyx Lorenzoni, junto à União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap), apontada como uma das autoras de cobranças ilegais a aposentados. A entidade firmou acordo de cooperação técnica para proceder os descontos associativos em abril de 2021.

O senador Rogério Marinho (PL-RN), que também comandou a pasta, é outro alvo recorrente de governistas. Sob sua gestão, já havia ocorrência dos ilícitos por parte de associações. O PT chegou a pedir a Alcolumbre a retirada de Marinho da CPI do INSS.

Com os dois lados – e o próprio Centrão – com fragilidades expostas, a comissão apresenta problemas em avançar e trazer novas informações ao público além do que já foi revelado em investigações da Polícia Federal.

Esses elos têm sido explorados por parlamentares da base do governo na CPI, que circularam por exemplo uma foto na qual o senador Izalci Lucas (PL-DF) e o presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, aparecem abraçados e com um cocar indígena na cabeça.

“Ao longo dos anos, a Conafer realizou milhares de reuniões com deputados federais e estaduais, senadores, prefeitos, governadores, vereadores, ministros, secretários, até mesmo com o vice-presidente, além de autarquias, institutos, universidades, empresas e muito mais”, destacou, em um comunicado.

Os governistas também distribuíram documentos que indicam que denúncias sobre descontos ilegais chegaram aos então ministros do governo de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro (Justiça), e Paulo Guedes (Economia).

Durante seu depoimento, o atual chefe da Controladoria-Geral da União, Vinícius Marques, provocou o hoje senador.

“Esse trabalho que a CGU desenvolveu com a Polícia Federal, senador Sérgio Moro, é um trabalho que podia ter sido desenvolvido durante sua gestão como ministro da Justiça, porque o senhor também recebeu denúncia sobre isso. Infelizmente, o senhor não encaminhou para a Polícia Federal e para a CGU”, disse.

Após as primeiras menções a seu nome, Moro virou suplente da comissão, aumentou a assiduidade nas reuniões da CPI e passou a rebater as críticas.

“Quatro entidades foram descredenciadas de imediato. Caíram pela metade os descontos associativos. Agora, em 2019, ninguém tinha colocado uma quadrilha no comando do INSS como no governo Lula”, respondeu ao CGU.

Os ataques, mesmo assim, seguiram. “O senhor recebeu suborno. Fale a verdade aqui”, disse Moro ao ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto depois de ser provocado em indireta sobre a condução do trabalho durante a Lava Jato. “E o que o senhor recebeu também como ministro da Justiça? Saindo de lá de Curitiba, o que o senhor fez?”, respondeu Stefanutto.

Os responsáveis pela Previdência no governo de Jair Bolsonaro também estão no radar das investigações. Um auxiliar direto de longa data do ex-ministro do Trabalho e Previdência Jorge Oliveira recebeu recursos de Cícero Marcelino, assessor do presidente da Conafer. A PF suspeita que Laudenor seja um “laranja” do esquema.

O depoimento do ex-ministro Onyx Lorenzoni é um dos mais aguardados pela base governista na CPI. Parlamentares lulistas vão questioná-lo sobre serviços advocatícios prestados pelo filho dele para uma das associações investigadas e sobre a relação com um doador de campanha que tinha negócios com outra entidade.

A Amar Brasil, um dos principais alvos do governo na CPI, é um dos caminhos que apoiadores de Lula pretendem atingir a gestão Bolsonaro. Durante o depoimento do dirigente da entidade, Felipe Macedo Gomes, realizado ainda neste mês de outubro, o líder do governo na CPI, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), perguntou ao diretor sobre uma doação de R$ 60 mil para a campanha de Onyx Lorenzoni para o governo Rio Grande do Sul, em 2022.

Com relação ao governo, as pressões giram em torno do que a oposição aponta como demora em agir após as primeiras denúncias de envolvimento do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que tem Frei Chico, irmão do presidente Lula como vice-presidente, e do fato de a maior beneficiária dos descontos associativos ser da Contag, entidade politicamente próxima ao PT.

O presidente da CPI do INSS, Carlos Viana (Podemos-MG), colocou na pauta do último dia 16 requerimento para convocar o irmão de Lula. O pedido acabou barrado pela CPI por 19 votos não a 11 votos sim. No mesmo dia, a comissão ainda rejeitou pedido de prisão do presidente do Sindnapi, Milton Baptista de Souza Filho, por 18 votos pela rejeição a 13 favoráveis.

Para o vice-presidente da CPI do INSS, deputado Duarte Jr. (PSB-MA), que se coloca como membro “neutro”, disposto a responsabilizar culpados, independente de lado, está claro que, na CPI, há “advogados de acusação e defesa” dos governos Lula e Bolsonaro.

“É óbvio, natural, que na CPI tem grupos muito claros. Um grupo destinado a defender Bolsonaro, passar pano, e esconder os erros, assim como também tem membros que fazem parte da base do governo que fazem a defesa incondicional do governo. Advogados de defesa e acusação”, afirmou.

O parlamentar acredita que, assim como o governo já agiu para proteger Frei Chico, a oposição ainda não cedeu em alguns pontos.

“O plano de trabalho do relator dizia que se chamaria primeiro os ministros, depois os presidentes do INSS. Até agora, porém, não foi vista a figura do Onyx (nos depoimentos)”, diz. “É importante ter imparcialidade nas investigações. Não vou aceitar que utilizem a CPI para ataque ou defesa de determinado partido ou governo. A gente tem que usar a CPI para identificar, punir quem cometeu crimes e devolver o direito de quem foi roubado.”

O depoimento do ex-ministro já foi remarcado vários vezes.

Fonte: Estadão

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