Penas mais duras, monitoramento de presos e banco de dados nacionais: entenda os principais pontos do projeto ‘antifacção’

Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski — Foto: Cristiano Mariz

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, entregou na quarta-feira ao Palácio do Planalto um conjunto de medidas, chamadas de “pacote antifacção”, que visa endurecer o combate ao crime organizado no país e inclui propostas como o aumento de penas e a maior possibilidade de confisco de bens. A iniciativa engrossa uma lista de movimentos do governo Lula no enfrentamento à violência com o intuito de reforçar o projeto do presidente à reeleição. Uma das principais preocupações da população, a insegurança também mobiliza os chefes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que buscam priorizar o andamento de propostas na área.

Entenda os principais pontos do projeto

  • Novo crime: Cria a “organização criminosa qualificada”, com pena de 8 a 15 anos de prisão para grupos que tentem controlar territórios e atividades econômicas, via “violência e ameaça”. O objetivo é enquadrar facções e milícias.
  • Servidor público: A Justiça pode afastar cautelarmente o servidor que “promove, constitui, financia ou integra” a organização criminosa. Condenados ficam impedidos de vínculo com o Poder Público por até 14 anos.
  • Penas mais duras: A pena sobe para até 30 anos se houver homicídio em favor da “organização criminosa qualificada”. Também foi endurecida a punição para organização criminosa simples, que pode chegar a 10 anos.
  • Intervenção judicial: A Justiça pode ordenar “intervenção judicial” em empresa ligada à organização criminosa, com nomeação de gestor externo. A medida prevê “imediato bloqueio” de operação financeira, societária e afins.
  • Sequestro de bens: A Justiça pode decretar a apreensão de bens e valores do investigado no curso do inquérito ou ação penal, ainda antes do trânsito em julgado, se houver suspeita de que são fruto do crime.
  • Banco de dados nacional: Estabelece um “Banco Nacional das Organizações Criminosas”, com o objetivo de reunir informações sobre os faccionados. Ele poderia ser consultado por qualquer órgão de segurança pública.
  • Monitoramento de preso: O texto prevê o monitoramento, com autorização judicial, de conversas e reuniões de presos provisórios e condenados por integrar organização criminosa, podendo ocorrer no parlatório ou por meio virtual.
  • Transferência de cadeia: A administração penitenciária ganha o direito de transferir presos para outras cadeias, comunicando imediatamente o juiz. Isso, no entanto, só poderá ser feito no caso de risco iminente.

No pacote anunciado por Lewandowski, consta, por exemplo, a criação do tipo penal de “organização criminosa qualificada”, que prevê pena de até 15 anos de prisão e englobaria facções do tráfico e milícias. Também estão no texto a hipótese de apreensão e perdimento antecipado de bens e a previsão legal para infiltrar agentes e empresas fictícias na estrutura das quadrilhas. O projeto ainda passará pelo crivo do ministério da Casa Civil, de Rui Costa, antes de ser enviado ao Congresso.

— Estamos fazendo alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal, na Lei dos Crimes Hediondos, na Lei da Prisão Temporária e na Lei de Execução Penal. Esse é o projeto possível neste momento, fruto de uma longa discussão com todas as áreas. Nós queremos atacar o crime de forma mais estruturante — afirmou Lewandowski.

Interlocutores do ministro argumentam que a lei atual que define uma organização criminosa não se encaixa mais na realidade de cerca de 80 facções operando no país. Por isso, sugerem atualizar a legislação com a criação da nova figura penal para combater grupos como Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e milícias.

Prevaleceu na pasta a ideia de que não se pode caracterizar esses grupos como máfia nem como organização terrorista. Além do endurecimento da pena para integrantes dos bandos, Lewandowski destacou a implementação de novos instrumentos para descapitalizar o crime organizado de “forma mais rápida”.

Em outra frente, o Ministério da Justiça lançou na quarta-feira o programa Município Mais Seguro, que injeta recursos federais nas guardas municipais. O investimento deve chegar a R$ 170 milhões, destinados a 215 cidades do país, na sua primeira fase. A pasta vai destinar parte do Fundo Nacional de Segurança Pública a projetos de gestão, equipamentos e capacitação das guardas.

— Este programa chegou no momento mais apropriado, correto, quando o Supremo deu uma nova função às guardas municipais, que enfrentam a criminalidade, muitas vezes sem recursos materiais e humanos. Agora, vão ser contempladas — discursou Lewandowski no lançamento.

Riscos calculados

Apesar de aliados de Lula defenderem maior protagonismo do governo na pauta, outros apoiadores admitem que a gestão petista corre riscos políticos ao enfrentar o tema. O próprio presidente precisou ser convencido por Lewandowski e outros auxiliares a investir nesta seara. Um dos receios é entrar em debate de responsabilidade com os estados, além da possibilidade de ver as ações encampadas pelo Planalto desfiguradas no Legislativo.

O entorno do Lewandowski tenta superar as diferenças no governo e avançar no Congresso apostando na boa relação da cúpula da pasta com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Uma das prioridades é chegar na eleição do ano que vem com a PEC da Segurança, que unifica a ação das polícias no Brasil, aprovada.

Depois de o tema ter dividido alas da gestão na fase de elaboração, o governo passou a chancelar a PEC também na internet. Na semana passada, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) usou o mistério sobre a morte de Odete Roitman, na novela “Vale tudo”, para pedir a aprovação do texto nas redes sociais.

Enquanto a PEC da Segurança, enviada ao Congresso em abril, propõe alterações na Constituição que ampliam o papel da União na elaboração de políticas de segurança, o pacote “antifacção” é infraconstitucional. Isso significa que as propostas também são submetidas ao Legislativo, mas demandam apenas maioria simples para aprovação.

Ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto tem incentivado a divulgação de ações da Polícia Federal (PF), seja no combate a crimes sexuais, na atuação nas fronteiras ou em operações contra adulteração de combustível e fintechs. O titular da Secom, Sidônio Palmeira, é um dos entusiastas da tática de buscar mais visibilidade ao trabalho da PF.

A violência é o tema que mais preocupa 30% dos brasileiros, e vem avançando desde julho, quando representava o maior receio para 24% da população, segundo pesquisas Genial/Quaest. A segurança pública está na frente de tópicos como problemas sociais (18%), economia (16%), corrupção (14%) e saúde (11%).

Congresso também age

Na Câmara, após o desgaste da PEC da Blindagem, Hugo Motta tenta reconstruir sua imagem e recuperar protagonismo político apostando na agenda da segurança pública. Nas últimas semanas, ele transformou o tema em vitrine de sua gestão e passou a explorá-lo intensamente nas redes sociais — foram cinco publicações, apenas neste mês, exaltando projetos de endurecimento penal e medidas de combate ao crime organizado.

Na terça-feira, a Câmara aprovou um pacote de quatro projetos de segurança pública com apoio unânime de base e oposição. O conjunto de propostas aumenta penas para homicídios de policiais, cria o crime de “domínio de cidades” — o chamado “novo cangaço” —, reforça o enfrentamento a facções e autoriza a coleta de DNA de reincidentes.

— Essa presidência trata este tema com prioridade. Temos ouvido o clamor da população brasileira — disse Motta em plenário, ao afirmar que a agenda tornará o país “bem mais seguro”.

O tema aproxima ainda o presidente da Câmara de Davi Alcolumbre, seu equivalente no Senado. No último mês, a Casa aprovou um projeto que endurece penas para crimes cometidos com violência e dá mais rigor ao Estatuto do Desarmamento. O texto também estabelece novos critérios para que magistrados avaliem a periculosidade de acusados durante audiências de custódia.

Enquanto isso, os debates também mobilizam a direita. Na oposição, há a orientação para que as bancadas não votem contra pautas que contemplem alguns dos seus principais eleitorados, como as Forças Armadas e policiais.

— A pauta da segurança pública deste governo é acéfala. A PEC da Segurança não anda. O que tem apoio prático é o Pacote contra Crimes Violentos que aprovamos e pretendo despachar diretamente com o presidente da Câmara, Hugo Motta — afirma o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que nega o temor de que aqueles que têm afinidade com pautas relacionadas à segurança pública troquem de lado. — Só tentam capitalizar em cima.

Fonte: O Globo

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