No trânsito parado, na fila do supermercado, diante de uma agenda lotada de compromissos ou ao receber uma notícia inesperada. Situações corriqueiras como essas podem provocar reações imediatas no organismo: o coração dispara, a respiração acelera, a atenção aumenta e os músculos ficam tensos. Essa resposta rápida, conhecida como estresse agudo, é natural, saudável e necessária, pois nos prepara para enfrentar desafios e ameaças, mobilizando o corpo para reagir. O problema surge quando essa reação deixa de ser pontual e se torna constante. Quando isso acontece, estamos diante do estresse crônico, uma condição silenciosa que mina a saúde física e mental e que, por isso, precisa ser reconhecida e tratada.
“Nosso organismo foi desenhado para lidar com o estresse. Em uma situação desafiadora, o cérebro responde com luta, fuga ou congelamento. Mas quando esse estado de alerta se prolonga por semanas ou meses, ele deixa de ser um mecanismo de proteção e se transforma em um fator de desgaste”, explica a médica Sley Tanigawa Guimarães, cofundadora do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.
Enquanto no estresse agudo o metabolismo volta ao normal em até 90 minutos após o fim do estímulo (como depois de um susto, uma batida de carro ou até uma boa surpresa como dar o primeiro beijo), o estresse crônico é resultado da soma de estímulos contínuos do dia a dia: contas a pagar, preocupações com os filhos, sobrecarga no trabalho, relações desgastantes ou a pressão por desempenho.
“O ideal é o organismo vivenciar a reação e dar tempo para retornar ao estado de repouso. O que acontece no estresse crônico é que vamos acumulando estímulos constantes e, muitas vezes, a pessoa nem percebe que está nesse estado”, diz Sley.
Nessas condições, o sistema nervoso simpático permanece ativado e o corpo segue produzindo altos níveis de cortisol e adrenalina, hormônios associados à resposta ao estresse. Essa ativação prolongada pode alterar o sistema imunológico, aumentar a pressão arterial, prejudicar o sono e abrir caminho para doenças cardiovasculares, metabólicas e psiquiátricas.
“Precisamos prestar atenção à intensidade e ao tempo em que esse estresse está nos afetando”, alerta a médica. “Apesar de não existir um número mágico, quando o estresse persiste por mais de 30 dias, já é considerado crônico”, completa.
Como identificar?
Reconhecer o estresse crônico nem sempre é simples, já que ele muita vezes se disfarça em sinais e sintomas como irritabilidade, ansiedade constante, dificuldade de concentração e lapsos de memória. Também podem surgir manifestações físicas, como dores musculares, dor de cabeça, problemas gastrointestinais, queda de cabelo, alterações no apetite e no sono (seja insônia ou sono excessivo).
A perda de interesse por atividades antes prazerosas e o isolamento social também são indicativos importantes. “É comum as pessoas associarem esses sintomas a cansaço ou à rotina puxada e ignorarem o quadro. Mas quando eles persistem e começam a comprometer a vida pessoal, social ou profissional, é hora de buscar ajuda”, ressalta Sley.
Outro ponto importante é a influência dos determinantes sociais sobre o estresse. Pessoas em situação de vulnerabilidade, por exemplo, enfrentam fatores estressores com mais frequência – seja pela falta de segurança, por questões de saúde, dificuldades financeiras ou acesso limitado a serviços básicos.
“A vulnerabilidade é um fator muito importante quando falamos de estresse. Essas pessoas estão constantemente expostas a situações de tensão sem perceber”, afirma o psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
Segundo Bernik, evitar o estresse é impossível – ele é essencial à sobrevivência. “Existe um mito de que todas as fontes de estresse ativam o organismo da mesma maneira, mas isso não é verdade. Temos um sistema cerebral de defesa que regula as respostas às ameaças e prepara o corpo de formas diferentes conforme a natureza do perigo”, explica, lembrando que a reação é saudável e necessária em situações agudas. “Uma reação robusta a um evento estressor é sinal de saúde. Essas respostas visam à sobrevivência imediata, não ao bem-estar ou à saúde em longo prazo. O problema é quando essa ativação se mantém constantemente.”
Impactos na saúde
Esse estado de estresse contínuo tem impactos importantes no organismo. A ativação prolongada do sistema nervoso autônomo eleva o risco de doenças cardiovasculares (entre elas hipertensão, infarto, arritmias e acidente vascular cerebral), aumenta os níveis de açúcar no sangue e de colesterol “ruim” e prejudica o metabolismo energético.
A exposição constante ao cortisol também dessensibiliza as células do hipotálamo e altera a resposta imunológica, provocando inflamação crônica, prejuízo cognitivo e maior vulnerabilidade a infecções. “Embora agudamente o estresse aumente a resposta imunológica, cronicamente ele é imunossupressor”, afirma Bernik.
Por isso o estresse tem um papel relevante no desenvolvimento e agravamento de condições como depressão, psoríase, dores crônicas, problemas gastrointestinais e até câncer.
Os sinais de alerta incluem dificuldade de pensar com clareza, esquecimentos frequentes, preocupação constante, bloqueios criativos e indecisão. Também podem surgir sintomas emocionais e sociais, como perda do sentido da vida, apatia, redução da empatia, isolamento e intolerância.
Diante disso, Sley ressalta que reconhecer o problema e buscar tratamento é fundamental. O acompanhamento psicológico ou psiquiátrico ajuda a identificar as causas e a desenvolver estratégias de enfrentamento.
Em alguns casos, o uso de medicamentos pode ser necessário. Mas mudanças no estilo de vida também são parte essencial do processo: praticar atividade física regularmente, manter uma alimentação equilibrada, dormir bem e reservar tempo para lazer e convivência social ajudam a reduzir a carga de estresse e fortalecem a resiliência.
“Tão importante quanto incluir hábitos saudáveis é aprender a estabelecer limites. Dizer ‘não’ quando necessário, delegar tarefas e desconectar-se do trabalho fora do expediente são atitudes que fazem diferença”, pontua Sley. Técnicas de relaxamento, como respiração consciente, meditação e mindfulness, também podem ser incorporadas ao dia a dia, junto com a reorganização da rotina, priorizando o que realmente importa.
“Muitas vezes, o estresse crônico está relacionado à dificuldade de lidar com demandas que ultrapassam nossa capacidade real. Rever expectativas e aceitar que não é possível dar conta de tudo é um passo importante”, diz Sley. Ter um repertório de atividades que tragam prazer – como ouvir música, dançar, ler, passear com um animal de estimação ou encontrar amigos – também contribui para recarregar as energias e manter o equilíbrio.
Bernik acrescenta que, se a pessoa não tem nenhuma doença diagnosticada, mas se sente estressada, cansada e sem disposição, vale adotar medidas preventivas para evitar o adoecimento. “Práticas de medicina do estilo de vida ajudam a reduzir o impacto do estresse e fortalecem o organismo”, diz. Por outro lado, se o estresse já está contribuindo para o surgimento ou agravamento de problemas de saúde, é fundamental intervir o quanto antes, buscando ajuda profissional.
Fonte: Estadão