Costumamos culpar a genética quando algo não vai bem na saúde: pressão alta, colesterol fora de controle, diabetes precoce. Mas a ciência mostra que esse argumento é frágil. Apenas 20% da nossa saúde pode ser atribuída ao que herdamos dos nossos pais. Os outros 80% estão nas nossas mãos — ou melhor, nas nossas escolhas diárias.
E as escolhas fazem tanta diferença que podem até alterar a forma como nossos genes se expressam. Essa é a base da epigenética, campo da ciência que investiga como estilo de vida e ambiente interferem no funcionamento celular. Traduzindo: o que comemos, o quanto nos movimentamos, a qualidade do sono, o modo como lidamos com o estresse e até a exposição a poluição, tabaco e álcool podem ativar ou silenciar genes.
Gosto de uma metáfora usada por especialistas: a genética é como a bala no revólver. Quem puxa ou não o gatilho somos nós, com os nossos hábitos. O que dá um enorme poder — e também uma grande responsabilidade.
Viviane Canziani, especialista em Estilo de Vida e Saúde e CEO do Miami Institute of Knowledge (EUA), lembra que doenças como Alzheimer, diabetes tipo 2, obesidade e cardiovasculares já afetam uma em cada três pessoas e respondem por dois terços das mortes no mundo.
Ela é coordenadora do MBA Formação em Estilo de Vida, Saúde e Longevidade, iniciativa do Centro de Nutrição Funcional Valéria Paschoal, referência no ensino de nutrição funcional, em parceria com o Miami Institute of Knowledge.
— Embora a genética desempenhe um papel nesse cenário, o estilo de vida e o ambiente têm impacto ainda maior na prevenção e no controle dessas doenças— afirma.
É nessa lógica que se baseia a Medicina do Estilo de Vida, abordagem que já acumula sólidas evidências científicas. Segundo estudos, até 80% das doenças crônicas não transmissíveis podem ser prevenidas — e até revertidas — com mudanças de comportamento.
A nutricionista e pesquisadora Valéria Paschoal reforça: no consultório, é cada vez mais comum encontrar pacientes cuja idade cronológica — aquela do RG — não bate com a idade biológica, que revela o ritmo de envelhecimento das células.
— Não é raro ver pessoas com 58, 59 anos apresentarem exames típicos de alguém com 70. A boa notícia é que podemos reduzir essa idade biológica com boa nutrição, atividade física regular, sono reparador, manejo do estresse e redução do contato com substâncias tóxicas — explica a CEO da VP Nutrição Funcional e uma das idealizadoras do MBA.
Para além de colesterol e glicemia dentro da faixa de normalidade, saúde plena é sinônimo de vitalidade. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) define o conceito como “estado de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual”. Traduzindo para o cotidiano: dormir bem sem depender de remédios, acordar disposto, manter o humor estável, sentir energia para enfrentar a rotina. Se exames laboratoriais estão em ordem, mas o corpo e a mente pedem socorro, há um alerta claro de desequilíbrio.
É nesse ponto que entra a figura do gestor de estilo de vida — profissional em ascensão, com foco na prevenção e no cuidado integral. Seu papel é ajudar na tradução da teoria em prática. Porque a maioria de nós sabe, em linhas gerais, o que é saudável. O desafio é transformar conhecimento em ação.
E ninguém disse que é fácil. Mudanças duradouras não acontecem de uma hora para outra. Mas podem vir a acontecer. Com suporte adequado, metas realistas e valorização de cada conquista é possível trilhar um caminho sustentável rumo a mais saúde — e até, quem diria, rejuvenescer biologicamente.
No fim, não se trata de viver para sempre. Mas de viver melhor, com autonomia, energia e propósito. Afinal, se podemos escolher entre envelhecer rápido ou de forma saudável, por que não puxar o gatilho para o lado certo?
Fonte: O Globo