Como evitar contato do seu filho com conteúdos inapropriados dentro de casa

Mães, pais ou responsáveis devem fazer monitoramento com conteúdos que filhos acessam na internet - Karime Xavier - 7.jul.23/Folhapress

O quarto de uma criança ou adolescente só pode ser considerado um espaço de perigo se representar uma barreira intransponível de diálogo e convivência ou quando deixa de ser apenas um cômodo da casa e fecha as pontes de ligação entre pais e filhos, apontam especialistas ouvidos pela reportagem. A privacidade, por sua vez, implica em responsabilidade, dizem eles.

Até pouco tempo, pairava no imaginário social a ideia de que o perigo estava na rua. Agora, com o fácil acesso a redes sociais, amplia-se também a facilidade do acesso a conteúdos e hábitos inapropriados, que podem inclusive promover a antecipação de fases da vida, a chamada “adultização”.

De forma geral, psicólogos e psiquiatras especializados em infância e adolescência costumam recomendar que os pais sigam algumas condutas dentro de casa:

  • Evitar deixar crianças sozinhas em um ambiente. Portas fechadas não são necessariamente um problema, o contexto deve ser analisado
  • Evitar que a criança tenha celular próprio até, pelo menos, os 12 anos de idade
  • Permitir o acesso a telas apenas em espaços coletivos, como na sala de estar (celulares, televisões e computadores)
  • Evitar qualquer acesso a telas até os 2 anos de idade. Após liberar, monitorar e fazer acordos sobre o uso
  • Construir um ambiente favorável ao diálogo
  • Preferir explicar o porquê um conteúdo é inadequado, em vez de apenas proibir
  • Incentivar atividades em família, longe das telas

Na prática, porém, seguir algumas das regras pode ser difícil. Especialmente considerando que o debate envolve questões macrosociais, aponta a professora de psicologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Juliana Prates.

“Temos que nos perguntar porque a criança passa tanto tempo dentro do quarto. O primeiro fator é porque a gente não tem, às vezes, uma cidade que permite a experiência de lazer e sociabilidade, então não podemos responsabilizar exclusivamente a família. Então, a gente tem um modelo de cidade que muitas vezes é inóspita para a vivência urbana “, diz.

Por outro lado, é importante pensar na casa como um espaço de socialização que, muitas vezes, é sugado por tempo de telas e redes sociais.

“Muitas vezes a gente localiza que o problema está nas crianças e nos adolescentes que passam o tempo todo trancados nos quartos. Mas a gente esquece os pais que muitas vezes passam o tempo todo conectados. Então cada um vai se isolando no seu espaço e isso vai tomando a forma de existência da família”, acrescenta.

Segundo Prates, a privacidade passa ainda por questões econômicas e raciais. “Estamos falando de famílias muitas vezes privilegiadas, em que cada um tem o seu próprio quarto.” Assim, é sempre possível no contexto familiar que essa criança não fique sozinha em casa? Não no contexto brasileiro.

“Eu posso te dizer assim: uma criança só pode ficar sozinha a partir dos 12 anos. Mas isso não é verdade. A gente tem crianças de 12 anos no Brasil que já cuidam de crianças menores, porque a gente tem configurações familiares e a ausência de políticas públicas que impedem que isso seja um cuidado. Porque às vezes não tem escola de tempo integral.” Portanto, deve ser pensado um acordo familiar que esteja dentro das possibilidades.

Tudo isso considerado, é importante entender que o direito à privacidade deve existir, reconhecendo também que a autonomia deve vir de uma liberdade mediada, conquistada e negociada. “Não é a imposição de que o quarto tem que ficar com a porta aberta o tempo inteiro. Mas é a lógica de que as portas de todos os ambientes da casa são livres para todos circularem”, afirma Prates.

É preciso, ainda, propor espaços coletivos para que os filhos se divirtam junto aos pais e, principalmente, se interessar pelo universo deles, orientando-os sobre os riscos. Do que eles gostam? Sobre o que eles conversam? A lógica de amedrontar pode “sair pela culatra.”

“A gente faz um discurso muito assustador, muito aterrorizante. Se você entrar nas redes sociais, sua foto vai ser utilizada amanhã para espaços pecaminosos ou perigosos. Ou você pode ser corrompido de alguma forma, pode sofrer violência. Então, o adolescente está vendo várias pessoas usando e não está vendo isso acontecer, e ele desacredita nas suas orientações”, acrescenta.

Mediando o conteúdo

É importante ainda que os pais entendam que, no contato das crianças com o mundo digital, eles devem ser mediadores, diz Maria Beatriz Linhares, professora associada sênior da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e membro do Núcleo Ciência pela Infância.

“As pessoas falam muito em liberdade de expressão, mas nós temos que cuidar de uma coisa, a criança não pode ter liberdade de conexão digital. Ela não pode ser exposta a conteúdo adulto, conteúdo violento, ou com uso abusivo de propaganda. Eles vão trazer demandas que ela não está preparada, porque ela não vê muita diferença entre o que é mundo real e o que é fantasia”, afirma.

É possível, como alternativa, dar um celular estilo “dumbphone”, aqueles que não tem acesso a redes sociais, como os smartphones.

Mas para aqueles que já têm acesso aos celulares, é possível adotar condutas práticas para o monitoramento, aponta Rodrigo Nejm, especialista em educação digital do Instituto Alana. A organização, que faz um trabalho nacional de advocacy com foco em infância, integrou o grupo de trabalho para elaboração do guia “Crianças, adolescentes e telas: guia sobre dispositivos digitais”, lançado pelo governo federal este ano.

  • É preciso estabelecer de antemão um kit de regras de tempo, qualidade de conteúdo e que um acompanhamento será feito por um adulto
  • Faça uma introdução gradual e respeite as idades mínimas das plataformas. Para o Youtube, Instagram, Discord e X, é de 13 anos, por exemplo
  • A família deve ter momentos em conjunto interagindo com as telas e buscar entender os jogos, por exemplo
  • Configure o aparelho para funcionar apenas com os controles necessários para a idade da criança

“No iPhone tem o controle de tempo e no Android tem o modo bem-estar e controle parental, que a família consegue configurar. O importante é que as famílias usem essas funções e cobrem mais funções para adequar o aparelho à idade da criança. E isso pensando no primeiro acesso ao celular e tablet. Depois, quando a criança já é um pouco maior, você pode ir gradativamente aumentando a liberdade dela, mas sempre negociando esse limite”, afirma Nejm.

Acima de tudo, estabelecer uma relação de confiança com a criança ou adolescente deve sempre ser uma prioridade, para que ela se sinta bem compartilhando sua vida digital.

“Quando acontece um problema, como a criança sofrer uma ameaça, um cyberbullying, se não houver escuta sem julgamento, a criança vai ter medo de falar para os pais, e eventualmente só vai falar quando já estiver assim num nível de violência que ela entra em desespero. Porque ela tem medo de entrar no julgamento e tem medo da punição. Muitas vezes esse medo silencia, e esse silêncio aumenta o sofrimento, o que é o pior cenário que a gente costuma ter”, acrescenta Nejm.

Para ocupar o tempo da criança ou adolescente de uma forma mais interativa, é preciso ainda incentivar jogos e atividades manuais e esportivas, diz a pediatra Ana Escobar doutora e professora pela Faculdade de Medicina da USP.

“Em casa, as famílias têm que propiciar outras formas de diversão, incentivar jogos, brincadeiras, leitura e hobbies como tocar um instrumento, colecionar alguma coisa, desenhar, pintar, Lego, chamar os amigos em casa”, sugere.

Pensamento crítico

Maria Beatriz Linhares afirma ainda que, conforme a criança cresce, os pais devem incentivar o desenvolvimento do pensamento crítico, considerando que, eventualmente, ela terá acesso conteúdos impróprios, seja por meio de amigos, seja por pessoas da família.

“Uma criança que já vai chegando nos seus seis anos da idade, saindo da primeira infância, tem que se aumentar em muito o grau de conversa e pensamento crítico. Não é só mudar o canal da televisão, é explicar porque não pode ver aquilo.”

Por isso, é preciso que as famílias desenvolvam a educação digital e participem mais da vida dos filhos, ao mesmo tempo que as empresas de tecnologia devem ser cobradas quanto ao assunto, afirma Nejm. “Teria que ser mais fácil configurar as ferramentas de supervisão parental do que é fácil hoje uma criança acessar um conteúdo de pornografia.”

O que é importante de reconhecer, independente de qual combinado seja feito, é que deixar as crianças sem supervisão nas redes não é deixa-las sozinha, mas estar em um lugar perigoso.

“É como deixar às 3h sozinho na avenida Paulista. É uma lógica de perigo. Não é o mesmo perigo. Não é deixar sozinho em casa, é com acesso ao mundo”, diz Juliana Prates.

Fonte: Folha de S. Paulo

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