Falta de unanimidade pode ser empecilho para desfecho rápido no caso Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro, no primeiro dia de julgamento no STF - Antônio Augusto - 25.mar.25/Divulgação/STF

Caso Jair Bolsonaro (PL) venha a ser condenado na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) sem que o placar seja unânime, aumentam as chances de que o ex-presidente tenha direito a um tipo extra de recurso, os embargos infringentes, o que poderia prolongar a duração do processo.

Segundo especialistas consultados pela repostagem, esse tipo de recurso, cabível apenas quando há voto divergente a favor do réu, poderia reabrir o debate sobre o mérito da condenação e levar o julgamento para o plenário. Não se trata, porém, de um trâmite garantido, porque precedentes do Supremo dos últimos anos têm imposto limites adicionais ao uso desse tipo de questionamento.

O julgamento de Bolsonaro junto ao núcleo central da ação da trama golpista está marcado para começar em 2 de setembro, e, até o momento, apenas o ministro Luiz Fux tem dado indicativos de que pode ser um contraponto ao relator Alexandre de Moraes na Primeira Turma, que é formada por cinco magistrados.

No início do mês, porém, houve insatisfação de uma ala do STF diante da decisão de Moraes de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente.

Bolsonaro é réu pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Conforme explicam os especialistas, caso a corte siga o mesmo entendimento de um precedente de 2018, Bolsonaro precisaria de dois votos o absolvendo de pelo menos um dos crimes dos quais é acusado para que a tramitação dos embargos infringentes viesse a ser admitida. Parte deles não descarta, contudo, que o processo da trama golpista possa levar a uma rediscussão sobre tais parâmetros.

Marta Saad, advogada e professora de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), explica que a lógica, neste caso, é que uma posição minoritária na turma pode acabar se tornando majoritária no pleno. “Se um juiz divergiu dos outros e decidiu a favor da defesa, esse voto pode indicar que a decisão ainda merece uma nova análise, agora por um número maior de julgadores”, diz ela.

A professora avalia que o STF possivelmente seguirá o entendimento restritivo que tem tido em seus precedentes para admissão deste tipo de recurso. Ela ressalta, porém, que essas restrições vão além do que prevê o regimento da corte.

Tal documento prevê a necessidade de pelo menos quatro votos divergentes no plenário para que se possa apresentar embargos infringentes. Não especifica, no entanto, um número mínimo para as turmas.

Desde o Mensalão, porém, ainda que com placares apertados, o tribunal proferiu decisões com entendimento mais restritivo ao uso dos embargos infringentes.

Em 2018, ao analisar um recurso de Paulo Maluf, o plenário fixou como requisito a existência de dois votos de absolvição para o cabimento de embargos infringentes nas turmas.

Já neste ano, em ação contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello —esta tramitando em plenário—, a corte reiterou por 6 votos a 4 que caberiam embargos infringentes apenas em caso de divergência no sentido de absolvição.

Seguindo a lógica desses precedentes, portanto, mesmo a discordância por mais de um ministro, mas apenas quanto a questões processuais ou tamanho da pena, não seria suficiente para permitir a tramitação deste tipo de recurso.

Nesta semana, Moraes citou o precedente de Maluf para negar a admissão de embargos infringentes apresentados pela defesa de Débora Rodrigues, que foi condenada pela Primeira Turma e ficou conhecida por ter pichado a estátua “A Justiça” no 8 de Janeiro. No caso dela houve um voto (Luiz Fux) pela absolvição parcial e um voto (Cristiano Zanin) divergindo da dosimetria de pena.

Apesar dos precedentes restritivos, Antonio Santoro, advogado e professor de direito processual penal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), vê como possível um cenário em que essa linha não se mantenha.

Como variáveis que podem influenciar a questão, ele aponta tanto o fato de a composição do STF ser outra desde o precedente do Maluf (e que foi definido por uma maioria apertada) e o fato de as próprias regras sobre competência das turmas terem se alterado ao longo do tempo. Destaca ainda a própria sensibilidade do processo: “Esse caso é muito delicado e ele pode ser um ‘leading case’ que lidere um novo entendimento”, diz.

Outro tipo de recurso possível, os embargos de declaração são reservados para situações em que a defesa entenda que houve alguma obscuridade, imprecisão, contradição ou omissão na sentença. “Nessa situação, a matéria não vai para o plenário, e o mesmo órgão que proferiu o acórdão aprecia os embargos”, diz Renato Stanziola Vieira, que é advogado criminalista e doutor em direito processual penal pela USP.

Vieira aponta ainda a possibilidade de interposição de habeas corpus ao plenário da corte pela defesa após a condenação. Neste caso, porém, ressalta que o tribunal tem um entendimento bastante restritivo quanto ao uso desse meio processual.

Atualmente Bolsonaro já está em prisão domiciliar, após entendimento de Moraes de que o ex-presidente descumpriu medida cautelar em uma outra investigação.

A prisão de cumprimento de pena, por outro lado, em caso de condenação a regime fechado, só deve ocorrer após o trânsito em julgado –quando estão esgotados os recursos–, conforme jurisprudência do próprio Supremo.

O prazo para apresentação de embargos de declaração é de 5 dias, contados a partir da publicação do acórdão do julgamento, enquanto o de embargos infringentes é de 15 dias.

Em tese, a defesa pode apresentar sucessivos embargos de declaração, caso entenda que a resposta ao questionamento anterior segue com pontos obscuros.

Rossana Leques, advogada criminalista e mestre em direito penal pela USP, explica, porém, que o tribunal pode vir a rejeitar a tramitação de um recurso caso considere que haja apenas intenção de atrasar o encerramento do processo.

“Quando o tribunal entende que os requisitos não foram preenchidos, que o recurso é incabível, ele é considerado meramente protelatório. E isso implica numa possibilidade de execução imediata da pena”, diz ela.

Isso pode ocorrer tanto nos embargos infringentes, como se deu no processo do Collor, quanto nos embargos de declaração, a exemplo de ação contra a deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP).

No caso de Zambelli, a Defensoria Pública da União recorreu argumentando que seria até razoável a certificação antecipada de trânsito em julgado “em hipóteses de interposições sucessivas de vários embargos de declaração, mas não, necessariamente, da primeira interposição”.

Fonte: Folha de S. Paulo

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