Uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revela dados preocupantes sobre o aumento de fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) entre os brasileiros.
O estudo, publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia, aponta que, entre 2006 e 2023, houve um aumento considerável nas taxas de consumo de álcool entre mulheres residentes nas capitais do País.
A prevalência de consumo abusivo de bebida alcoólica por esse público praticamente dobrou no período: passou de 7,7% em 2006 para 15,2% em 2023. Entre os homens, a taxa era de 24,8% em 2006 e foi para 27,3% no último ano analisado.
Como consumo abusivo, foi considerada a ingestão de cinco ou mais doses para homens ou quatro ou mais doses para mulheres em uma única ocasião, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias.
Primeira autora do estudo, Deborah Malta, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, destaca a preocupação com o crescimento do abuso de álcool.
Ela afirma que há um marketing destinado às mulheres no mercado de bebidas e que a indústria se aproveita da reivindicação político-histórica de empoderamento feminino. Como exemplo, Deborah cita a ascensão de drinks e gins com linhas específicas para esse público.
Obesidade e alimentação deficiente
A pesquisa da UFMG utilizou os dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde.
Os cientistas analisaram as taxas de hipertensão e diabetes, e oito fatores de risco e de proteção para as DCNT: consumo abusivo de bebida alcoólica, prática insuficiente de atividade física, excesso de peso corporal, obesidade, tabagismo, consumo recomendado de frutas e hortaliças, consumo regular de feijão e prática de atividade física no lazer.
O estudo mostra que a prevalência de obesidade aumentou: passou de 12,2% para 24,8% entre as mulheres e de 11,4% para 23,8% entre os homens. O mesmo ocorreu com o excesso de peso, que em 2023 chegou a 63,4% no público masculino e a 59,6% no feminino, este com um aumento de 21 pontos percentuais.
O aspecto alimentação também piorou: o consumo regular de feijão, indicador de uma dieta mais saudável, caiu de 72% para 56% entre os adultos residentes nas capitais.
Para Deborah, a queda pode estar ligada a questões como a redução no número de empregos e a popularização de alimentos ultraprocessados.
Esse tipo de alimentação, rica em açúcares, gorduras e aditivos químicos, está fortemente associada ao avanço da obesidade e de doenças como diabetes e hipertensão, que também aumentaram entre 2006 e 2023.
Para a professora, é fundamental que o País retome políticas públicas de incentivo à alimentação saudável, além de campanhas de conscientização e regulação da publicidade de alimentos voltada para crianças.
“A alimentação está diretamente ligada ao poder aquisitivo e tem grande impacto na sociedade. Os preços elevados levam as pessoas a optarem por alimentos mais baratos, palatáveis e de fácil preparo”, diz.
Mudanças positivas
A pesquisa indica o avanço da atividade física entre homens e mulheres, porém ainda em níveis insuficientes. “As pessoas estão se exercitando mais. No entanto, a inatividade física mostra uma estabilidade”, afirma Deborah.
“Há movimentos simultâneos na nossa sociedade: uma parte da população é completamente inativa e a outra se exercita, especialmente os mais jovens. O aumento de atividades físicas em mulheres é positivo, porém 43% delas ainda são sedentárias no Brasil”, acrescenta.
Além disso, o tabagismo caiu significativamente em ambos os sexos: de 19,3% para 11,7% entre homens e de 12,4% para 7,2% entre mulheres. A redução no número de fumantes é reflexo do fortalecimento de iniciativas de controle do tabaco em níveis mundial e nacional, segundo os pesquisadores.
Ainda assim, Deborah argumenta que não é possível considerar ganha a batalha contra o tabaco. “Temos novos produtos sendo ofertados pela indústria, como o cigarro eletrônico. Estamos ainda dando espaço a notícias falsas. O vape não ajuda ninguém a parar de fumar. Na verdade, ele está atraindo uma série de novos consumidores”, reflete a professora.
Fonte: Estadão