Obesidade: a doença invisível que mata em silêncio

Obesidade — Foto: Pixabay

No Brasil, mais da metade da população adulta está com excesso de peso. E, embora silenciosa, a obesidade é uma das doenças mais perigosas do século XXI. Não se trata de uma questão de força de vontade, falta de disciplina ou desvio estético, e sim de um processo biológico, inflamatório, multifatorial e progressivo, que deve ser enfrentado com políticas públicas, ciência e compaixão. Obesidade não é escolha. É diagnóstico.

A Organização Mundial da Saúde reconhece a obesidade como uma doença crônica desde 1997. Ainda assim, o estigma persiste. Pessoas com obesidade continuam sendo alvo de piadas, julgamentos e negligência, inclusive dentro dos sistemas de saúde. É uma falha coletiva: a sociedade se recusa a enxergar que estamos diante de um problema de saúde pública com impactos dramáticos na qualidade e na expectativa de vida.

No Brasil, mais da metade da população adulta está acima do peso, e um em cada quatro brasileiros vive com obesidade. Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, conduzida pelo IBGE, revelaram que 60,3% da população adulta tem excesso de peso e 25,9% já apresenta obesidade. Entre 2003 e 2019, a prevalência de obesidade quase dobrou, passando de 12,2% para 25,9%, e segue em trajetória ascendente, atingindo cada vez mais jovens e crianças. Estima-se que até 2030, mais de 30% dos adultos brasileiros viverão com obesidade.

A obesidade já é responsável por mais de 4 milhões de mortes por ano no mundo, segundo a OMS. No Brasil, em 2022, mais de 80 mil óbitos foram atribuídos diretamente a doenças associadas ao excesso de peso, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, neoplasias e insuficiências respiratórias. A obesidade é uma das principais causas de hipertensão, insuficiência cardíaca, fibrilação atrial e infarto. Do ponto de vista metabólico, é o principal motor da epidemia de diabetes tipo 2. Mas talvez o que mais impressione seja sua ligação com o câncer: mais de 13 tipos de neoplasias malignas têm associação direta com o excesso de gordura corporal, como o câncer de mama, fígado, pâncreas, esôfago, cólon, endométrio e rim. Estudos da American Cancer Society estimam que 40% de todos os cânceres diagnosticados nos Estados Unidos estejam relacionados à obesidade. No Brasil, esse dado tende a crescer na mesma proporção.

A obesidade também está entre as principais causas de doenças osteomusculares, como artroses e lombalgias incapacitantes, além de distúrbios respiratórios, como a apneia obstrutiva do sono, que compromete a oxigenação cerebral e multiplica o risco cardiovascular. Do ponto de vista psiquiátrico, o impacto é imenso: depressão, ansiedade, isolamento social e baixa autoestima formam um círculo vicioso cruel, agravando ainda mais o quadro clínico.

Não se trata de “viver bem com excesso de peso”. O ambiente obesogênico em que vivemos repleto de alimentos ultraprocessados, sedentarismo estrutural, estresse crônico e privação de sono é o terreno fértil onde a obesidade floresce. Isso exige respostas estruturais, políticas intersetoriais e compromisso social.

Precisamos urgentemente de uma estratégia nacional robusta, baseada em prevenção, diagnóstico precoce, acesso a tratamento multiprofissional e combate ao preconceito. Campanhas educativas, taxação de bebidas açucaradas, rotulagem nutricional clara, estímulo à atividade física e inclusão da obesidade nos protocolos clínicos são apenas o começo. A medicina avançou, com novas medicações eficazes e abordagens cirúrgicas seguras, mas o acesso ainda é restrito e desigual.

Entre as inovações mais impactantes, destacam-se os análogos do GLP-1 (glucagon-like peptide-1), como liraglutida e semaglutida, já aprovados para o tratamento da obesidade. Esses medicamentos atuam sobre o sistema neuroendócrino da saciedade, promovendo redução do apetite, melhora metabólica e perda de peso significativa. A semaglutida, em dose semanal de 2,4 mg, demonstrou em estudos como o STEP 1 trial reduções médias de até 15% do peso corporal, com melhora de parâmetros glicêmicos, inflamatórios e cardiometabólicos.

Mais recentemente, a tirzepatida, um agonista duplo de GLP-1 e GIP (glucose-dependent insulinotropic polypeptide) mostrou resultados ainda mais expressivos, com perdas médias de até 22,5% do peso corporal no estudo SURMOUNT-1, publicado no New England Journal of Medicine. Trata-se de um novo patamar terapêutico que redefine o paradigma do tratamento clínico da obesidade.

Essas drogas não são apenas agentes de emagrecimento: têm impacto comprovado na prevenção de diabetes, na melhora da resistência insulínica, na redução de esteatose hepática e até na melhora de desfechos cardiovasculares, como demonstrado no SELECT trial, que apontou redução de eventos cardiovasculares maiores em pacientes obesos não diabéticos tratados com semaglutida.

A ausência de diretrizes clínicas nacionais que orientem o uso racional e equitativo dessas terapias também contribui para a judicialização desordenada e o subtratamento da obesidade.

O Brasil precisa assumir a obesidade como uma prioridade nacional de saúde pública. Enquanto continuarmos tratando-a como falha moral ou estética, milhares de vidas serão perdidas em silêncio, uma após a outra. O tempo de agir é agora. Reconhecer a obesidade como doença, garantir acesso ao tratamento e combater o estigma com a mesma seriedade com que enfrentamos outras enfermidades crônicas é, acima de tudo, um imperativo de justiça social e de saúde coletiva.

Fonte: O Globo

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