O governo trabalha com a possibilidade cada vez maior de o Congresso instalar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar o escândalo dos descontos ilegais no INSS, e o Planalto já avalia estratégias para disputar cargos e ter voz ativa no colegiado. A ideia é trabalhar para influenciar o maior número possível de integrantes da comissão, blindar o presidente Lula de um eventual desgaste e responsabilizar a gestão Bolsonaro.
O tema provocou um intenso bate-boca ontem no Senado entre o ministro da Previdência e o senador Sergio Moro.
O INSS informou ontem já ter recebido 1.069.201 respostas de aposentados e pensionistas que tiveram descontos em seus benefícios para entidades associativas. Do total, 1.051.238 informaram não reconhecer o vínculo com a respectiva organização, 98,3%.
O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), disse ontem que apoia a criação da CPMI, e o senador Fabiano Contarato (PT-ES) assinou a lista que pede a instalação. Já são 37 senadores e 223 deputados a favor da comissão, muito acima do mínimo necessário, mas a instalação depende de decisão exclusiva do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), que ainda não se manifestou.
Tabata pode ser relatora
Apesar de o Planalto se manter oficialmente contra a comissão, os principais interlocutores políticos do presidente Lula reconhecem que o governo não conseguirá evitá-la. Eles afirmam que não é mais o caso de trabalhar pela retirada de assinaturas, mas centrar esforços por “uma comissão equilibrada” em relação ao número de integrantes da oposição, com parlamentares que tenham isenção e conhecimento técnicos sobre o INSS.
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A corrente da base governista favorável à instalação argumenta que é necessária uma estratégia de contenção de danos e agir para ter a presidência e a relatoria da CPI mista. Um nome cotado para a relatoria é o da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que as investigações podem mostrar irregularidades do governo Bolsonaro e admite assinar o pedido de instalação da CPMI.
— Quem chamou a polícia e deixou ela investigar foi o presidente Lula. Eu não assino CPI, por achar que isto cabe à Polícia Federal. O Congresso deve cuidar dos problemas reais do Brasil, das matérias que importam. Mas talvez eu assine essa, por acreditar que os ventos vão mudar — disse.
O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, foi ontem a uma audiência no Senado. Ele disse que é a favor da CPMI e afirmou que uma brecha a partir de uma medida provisória editada no governo Bolsonaro aumentou o número de entidades que fizeram cobranças indevidas.
— É naquele momento, entre 2019 e 2022, que o ladrão entra na casa — disse Wolney.
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Segundo ele, uma MP editada em 2019 previa revalidação anual de autorizações para descontos, mas acabou sendo alterada para cada três anos a partir de 2021. Depois, uma nova mudança adiou a exigência para 2022. Naquele ano, uma terceira alteração acabou de vez com a revalidação anual. A alteração foi aprovada no Congresso e sancionada por Bolsonaro.
Segundo as investigações, os valores descontados dos aposentados passaram de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 706,2 milhões em 2022, os dois últimos anos do governo Bolsonaro. Em 2023, primeiro ano da gestão Lula, deram um salto para R$ 1,299 bilhão, e em 2024 atingiram R$ 2,637 bilhões.
Wolney e Moro se acusam
O ministro e o senador Sergio Moro (União-PR) tiveram um bate-boca após Wolney afirmar que denúncias sobre os descontos ilegais já tinham sido feitas à Polícia Federal (PF) em 2020, quando Moro era ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
— Um servidor, em 2020, denunciou à PF que havia descontos indevidos, que havia fraude. As denúncias foram feitas em 2020, senador. Parece que vossa excelência era o ministro da Justiça na época. Vossa excelência fez alguma coisa para coibir essas fraudes? — questionou o ministro, citando reportagem do JN que revelou a denúncia.
Moro reagiu:
— Os fatos nunca foram informados a mim como foram informados a vossa excelência expressamente na reunião lá em 2023 — rebateu o senador, citando o fato de o atual ministro da Previdência ter participado de reunião do Conselho Nacional da Previdência, há cerca de dois anos, em que foi feito um alerta sobre as fraudes.
À época, Wolney era o secretário-executivo do ministro Carlos Lupi, que pediu demissão no início deste mês em meio ao escândalo.
— Então, o que se tem presente, ministro, é que o Ministério da Previdência, do qual vossa excelência era secretário-executivo, e secretário-executivo não é exatamente alguém que não está a par dos assuntos do ministério, não fez nada — insistiu Moro, acusando o governo Lula de tentar transferir a responsabilidade pelas irregularidades.
Wolney rebateu:
— Senador, eu não queria ficar aqui nesse bate-boca com vossa excelência, mas vossa excelência, como ministro da Justiça, tinha muito mais obrigação de saber do que eu como secretário-executivo.
Fonte: O Globo