O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia incluir parceiros externos no plano para reembolsar recursos que foram descontados irregularmente de aposentados e pensionistas do INSS, disse o recém-nomeado presidente do órgão, Gilberto Waller Júnior. O Executivo federal, porém, ainda não fechou o modelo de ressarcimento, nem sabe quantas pessoas foram afetadas.
Os números iniciais, afirmou Waller Júnior, indicam que foram menos de 4 milhões de pessoas atingidas entre 40 milhões de benefícios pagos pelo instituto.
— A ideia é que, fechada essa questão do ressarcimento, a busca por eles (as pessoas atingidas) seja feita nos nossos canais oficiais, no (aplicativo) Meu INSS, na Central 135 (atendimento por telefone) ou em algum parceiro. A determinação do presidente Lula é fazer de uma forma que dê menos trabalho ao usuário. Não cabe a ele ficar procurando se ele tem inscrição ou não. Cabe à administração pública — disse Waller Júnior ao GLOBO.
Homologação judicial
Para evitar questionamentos, disse, o plano precisará ser homologado pelo Judiciário. Indagado se essas parcerias podem ser feitas com instituições como cartórios e os Correios, ele respondeu:
— No momento, toda e qualquer ajuda de órgãos sérios, órgãos capilarizados, é possível. Não se descarta nenhum auxílio. Estamos procurando todas as soluções para poder fechar um plano.
O novo chefe do INSS foi escolhido diretamente por Lula na semana passada em substituição a Alessandro Stefanutto, demitido também por ordem do presidente da República no dia em que foi deflagrada a Operação Sem Desconto pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
A operação apura suspeitas de descontos irregulares em benefícios pagos pelo INSS, destinados a entidades associativas como sindicatos — que deveriam oferecer, em contrapartida, serviços como atividades de lazer e suporte jurídico. Os descontos chegaram a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo a CGU.
As entidades investigadas tinham 4,1 milhões de filiações. Mas o governo ainda não calculou qual percentual desse total foi deduzido de forma ilegal. Waller Júnior adiantou, porém, que os valores devolvidos ficarão abaixo disso:
— Não chega a R$ 6,3 bilhões. O número exato de beneficiários ainda temos que depurar, mas também não são 4 milhões de pessoas, são 4 milhões de benefícios. Uma mesma pessoa pode ter sido vítima de duas, três, quatro instituições.
Segundo ele, as apurações apontaram que uma pessoa poderia ser vítima de diferentes associações:
— Verificamos que havia empresas fantasmas que descontavam um período e, quando o cidadão reclamava, bloqueava, ele passava a ter o desconto de outra associação. Com certeza será um total de menos de 4 milhões de pessoas — afirmou.
A maneira mais segura de se fazer a devolução, disse, é diretamente por meio da folha de pagamentos:
— Entendemos que essa é a maneira mais segura, inclusive para não ter intermediário e para o beneficiário não precisar ir a uma agência bancária. Mas não necessariamente no próximo mês, porque precisamos ter um procedimento preliminar.
O Palácio do Planalto tem cobrado pressa em uma solução para garantir a devolução de valores descontados indevidamente, embora ainda não haja prazo para o plano. O assunto foi tema de uma reunião no Palácio do Planalto ontem, que terminou sem decisão. Lula embarca na noite de hoje para a Rússia e, na sequência, viaja para a China.
No fim da semana, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, vai encontrá-lo em Pequim, e há previsão de que leve alternativas para avaliação do presidente. O Planalto também precifica o efeito político colateral de uma demora em anunciar essas medidas.
O presidente do INSS reforçou que 33 milhões de pessoas “não têm chance alguma” de terem sido atingidas pelo golpe porque não constam com desconto associativo. Por isso, disse não ser necessário uma corrida às agências.
Além de não saber ao certo o volume descontado ilegalmente, o Palácio do Planalto ainda estuda de onde virão os recursos. A Justiça já bloqueou dinheiro de entidades e de seus administradores, o que o governo tem dito que vai ajudar a pagar a conta. Waller Júnior admitiu, no entanto, que pode ser necessário usar recursos públicos para cobrir a despesa:
— Dependendo do tamanho do rombo, com certeza (será necessário dinheiro público).
Ontem, a Corregedoria-Geral do INSS abriu procedimentos de responsabilização contra 13 entidades. O prazo para conclusão dos Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) é de 180 dias. Previstos na Lei Anticorrupção, eles têm como objetivo a responsabilização administrativa e civil de entidades e empresas pela prática de atos contra a administração pública.
O INSS já suspendeu todos os repasses, inclusive a entidades não investigadas, e ainda avalia se as deduções vão voltar no futuro.
— Se o desconto voltar, teremos que começar da estaca zero, o cadastro tem que ser feito novamente. O que foi feito no passado não funciona, inclusive coloca o segurado à mercê de fraudadores — disse Waller Júnior.
‘Mais humanizado’
Waller Júnior afirma ter recebido “carta branca” de Lula para mudar a gestão e sanear o INSS, inclusive podendo trocar gerências regionais, parte delas frutos de indicações políticas. Além das fraudes, o novo gestor tem outros planos. Entre eles, criar uma diretoria para facilitar a interlocução com o beneficiário, hoje concentrada no aplicativo e na Central 135:
— Não adianta eu falar “procure o Meu INSS”. Eu não quero o INSS mais tecnológico, eu quero o mais humanizado, aquele que pense efetivamente no nosso cliente.
Sobre a fila de 2 milhões de requerimentos aguardando resposta, ele diz ser uma questão de longo prazo:
— Se eu falar que em quatro dias eu fiz um plano para resolver a fila, eu diria que eu sou um mágico, uma pessoa que caiu dos céus. Isso não existe.
Fonte: O Globo