Você já deve ter ouvido ou lido que, conforme envelhecemos, perdemos massa muscular. Isso é verdade, mas não quer dizer que todos seremos diagnosticados com sarcopenia (o nome oficial desse quadro) com o passar dos anos. De acordo com especialistas, é possível evitar que a redução da musculatura reflita numa perda funcional e, por consequência, nessa doença associada a uma série de desfechos negativos, incluindo maior taxa de mortalidade.
Atualmente, entende-se que a sarcopenia tem uma causa multifatorial, ou seja, não é determinada apenas pelo declínio esperado com a idade. As chamadas causas ambientais — que falam sobre estilo de vida — são nossa principal oportunidade de evitar o problema. Nesse sentido, o exercício físico e a alimentação podem fazer uma grande diferença, e quanto antes houver esse cuidado, melhor.
Há uma janela de oportunidade para produção de uma espécie de “poupança” muscular, em especial até os 25 anos. Essa reserva ajuda a atenuar as perdas que começam paulatinamente aos 30, explicam os especialistas. Mas nunca é tarde para começar, nem mesmo para quem já tem o diagnóstico da doença — ela não só possui tratamento como é reversível.
“Temos efeitos positivos em qualquer faixa etária. Já foram até desenvolvidos estudos só com nonagenários, e houve aumento de força e massa muscular de forma significativa”, conta a professora Nádia Souza Lima, do Laboratório de Atividade Física e Promoção da Saúde, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sobre se tornar fisicamente ativo.
Motor do corpo
De acordo com a Cleveland Clinic, temos mais de 600 músculos espalhados por todo corpo (o próprio coração é um músculo — de um tipo único e exclusivo, chamado músculo cardíaco). Eles têm diferentes e cruciais funções, que vão de ajudar nossos órgãos internos a manter-nos vivos até nossa locomoção.
O sistema locomotor do corpo, explica Nádia, é formado basicamente por dois elementos: um passivo, a estrutura óssea que nos sustenta, e um ativo, a nossa musculatura. “O músculo é o que nos movimenta, é o motor de movimento dessa estrutura óssea. Só ficamos de pé, eretos, se a musculatura agir. É o nosso motor.”
Quando falamos em movimento, de acordo com o geriatra Marcelo Valente, diretor financeiro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), há uma preocupação especial com a musculatura dos membros superiores (braços) e inferiores (pernas).
Por que perdemos músculo?
Valente explica que há um pico de ganho de reserva muscular ao longo da infância e adolescência, em grande parte determinado por fatores como alimentação e nível de atividade física. Há uma tendência ascendente até por volta dos 25 anos, quando se entra numa espécie de platô que dura mais ou menos até os 30. Depois disso, a tendência é de redução.
De acordo com uma revisão publicada por Jeremy Walston, professor de geriatria na Johns Hopkins University, na revista científica Current Opinion in Rheumatology, as alterações fisiológicas e morfológicas no músculo esquelético podem ser explicadas especialmente por:
- redução no tamanho e número de fibras musculares (em especial nas do tipo 2, responsáveis por movimentos rápidos e explosivos);
- acúmulo de tecido fibroso (cicatricial) e gordura (interfere na capacidade do músculo de se contrair de maneira eficiente);
- alterações nas células satélites, que ajudam na regeneração e reparo do músculo após lesões ou esforços intensos;
- declínios hormonais;
- redução no número de junções neuromusculares (onde ocorre a comunicação entre o sistema nervoso e os músculos esqueléticos).
Existem outros fatores que dificultam a criação de reserva muscular ao longo da vida e aumentam o risco de sarcopenia, segundo os especialistas. São eles:
- Tabagismo
- Etilismo
- Inflamação intermediada por doenças ao longo da vida.
“Por exemplo, temos doenças que geram uma inflamação sistêmica de grau leve, como obesidade e diabetes, aumentando a liberação de algumas substâncias inflamatórias, chamadas de citocinas inflamatórias, o que ajuda a degradar mais rápido o músculo”, afirma Valente.
- Alimentação inadequada
No caso dos músculos, há uma preocupação especial com a ingestão de proteínas, mas precisa haver equilíbrio com outros macronutrientes e também um olhar atento aos micronutrientes (recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um manual sobre o que configura uma dieta saudável).
Valente explica que o consumo de proteínas deve aumentar com o passar da idade. Para um adulto saudável, o recomendado é 0,8 g de proteína por kg de peso ao dia. Assim, a dieta de uma pessoa jovem de 60 kg deveria conter 48 gramas de proteína, por exemplo. Depois dos 60 anos, o indicado é utilizar entre 1 e 1,2 g por kg. Quando já há sarcopenia instalada, isso pode chegar a 1,5 g.
O ideal é também dividir essa quantidade de proteínas ao longo das três principais refeições do dia. “Quanto mais igualmente você dividir, melhor a resposta de anabolismo nos músculos”, afirma o geriatra.
- Sedentarismo
Mover-se é importante tanto para criar uma reserva quanto para reduzir a velocidade da perda que inevitavelmente ocorrerá. A OMS recomenda, no mínimo, 150 minutos de atividade física, de moderada a intensa, semanalmente.
Considerando a sarcopenia, o mais indicado é o treino resistido com progressão de carga, seja com equipamentos de musculação, uso do peso do próprio corpo ou bandas elásticas. Ele é o que tem maior nível de evidência científica para melhorar a massa, a força muscular e o desempenho físico, segundo o “Manual de Recomendações para Diagnóstico e Tratamento da Sarcopenia no Brasil”, da SBGG.
Antes de iniciar exercícios intensos, lembram os especialistas, é recomendado que qualquer pessoa faça uma avaliação clínica. Alguns problemas, quando não identificados, podem dificultar o ganho de massa muscular ou mesmo colocar a vida em risco (entenda melhor aqui).
Ação coletiva
Embora todas essas medidas sejam individuais, é na ação coletiva, ou seja, com políticas públicas, que os especialistas acreditam estar a solução para esse grave problema de saúde. Afinal, o nível de atividade física e a ingestão adequada de proteínas estão intimamente ligados às condições socioeconômicas.
Repercussões da sarcopenia
Valente conta que o diagnóstico de sarcopenia, em geral, começa com queixas inespecíficas. A pessoa reclama de perda de peso involuntária, conta que se sente fraca e/ou que não consegue andar tão rápido quanto antes.
A partir disso, o médico usa um aparelho chamado dinamômetro para medir a força de preensão palmar. Outra opção é fazer um teste com uma cadeira. Com os braços cruzados em frente ao tórax, o paciente é orientado a sentar e levantar cinco vezes, e é avaliado o tempo que leva para isso.
Caso o desempenho fique abaixo do esperado, o médico pede uma densitometria ou um exame de bioimpedância, para confirmar o resultado do teste anterior com base na análise de massa muscular.
De acordo com o manual da SBGG, a prevalência de sarcopenia em indivíduos com idade entre 60 e 70 anos varia de 5% a 13%, enquanto entre aqueles com mais de 80 anos oscila entre 11% e 50%.
Segundo o estudo de Walston, as consequências da sarcopenia frequentemente são graves e incluem, entre outros, aumento da resistência à insulina, fadiga, quedas e mortalidade.
Há, sobretudo, uma grande deterioração da qualidade de vida. “A pessoa, muitas vezes, passa a ter medo até de sair de casa. Não consegue mais dirigir, passear sozinha, porque tem medo de cair. E, assim, começa a ficar mais isolada”, comenta Valente.
“A nossa vida até a fase adulta é uma eterna luta pela autonomia. Nascemos e queremos conquistar a autonomia de ir ao banheiro, tomar banho, escolher a própria roupa. Depois, morar sozinhos, conquistar a autonomia financeira”, comenta Nádia.
“Chega num determinado momento que essa escadinha começa a descer”, acrescenta. “Me aposento, perco o financeiro, meu filho tem que começar a me ajudar. Daqui a pouco, já não tenho condição de sair sozinho, ir ao supermercado para fazer as compras. Quem quer isso? Todo mundo quer viver muito, mas bem. E tirar a autonomia do ser humano é a pior coisa para a qualidade de vida.”
Fonte: Estadão