O conceito é simples e atraente: existem regiões especiais ao redor do mundo —chamadas zonas azuis— onde as pessoas regularmente permanecem vibrantes e ativas depois dos 90 anos, graças a um simples conjunto de comportamentos que qualquer um pode seguir.
Mas nem todos estão comprando essa ideia. Alguns especialistas —um em particular— estão questionando se as zonas azuis em si, esses bastiões de saúde, podem ser boas demais para ser verdade.
O termo “zona azul” foi usado pela primeira vez em 2004 em um artigo publicado na revista acadêmica Experimental Gerontology, sobre centenários na Sardenha, Itália. No artigo, os pesquisadores usaram a cor azul para sombrear partes de um mapa da ilha denotando onde as pessoas tinham longevidade excepcional.
Os cientistas especularam que isso poderia ser atribuído à nutrição e ao estilo de vida, ou poderia ser graças ao “alto índice de endogamia” nas regiões isoladas, o que levou a características genéticas protetoras se tornando mais prevalentes na população.
A ideia ganhou impulso no ano seguinte, quando o repórter da National Geographic Dan Buettner usou a frase em uma reportagem destacando três regiões —Okinawa, Japão; Loma Linda, Califórnia; e Sardenha— onde a pesquisa descobriu que as pessoas viviam mais e de forma mais saudável do que a média.
No artigo, Buettner atribuiu a longevidade e vitalidade dos cidadãos das regiões aos seus comportamentos saudáveis. Pessoas desses lugares, ele concluiu, tinham mais probabilidade de seguir uma dieta nutritiva com muitas frutas e vegetais, praticar muita atividade física, priorizar a família e a comunidade e não fumar cigarros. Beber com moderação, não comer demais, gerenciar o estresse, ter um propósito na vida, dedicação à religião e bons genes foram outros fatores mencionados.
“Essas pessoas nas zonas azuis não estão fazendo nenhuma das coisas” que normalmente fazemos para ficar saudáveis, diz Buettner. “Elas não estão em dietas ou CrossFit ou postando no Instagram e tomando suplementos ou indo para Tulum para células-tronco. Você sabe, nenhum desses truques de longevidade. Mas de alguma forma, elas estão vivendo cerca de dez anos a mais.”
Em vez de as pessoas buscarem saúde, acrescenta Buettner, as zonas azuis ilustram que a boa saúde vem de estar em “o ambiente certo”.
Desde a publicação de seu artigo inicial, o repórter se associou a demógrafos, epidemiologistas, geriatras e outros especialistas para expandir a ideia das zonas azuis, adicionando Nicoya, Costa Rica e Ikaria, Grécia à lista. Ele também lançou a empresa Blue Zones.
Parece ótimo. Então, onde está a controvérsia? Tudo começou em 2019, com um artigo acadêmico. O estudo, que foi atualizado este ano e não foi publicado em uma revista revisada por pares, afirmou que áreas com um grande número de centenários e supercentenários (pessoas com 110 anos ou mais) têm algo em comum: registros defeituosos. Em outras palavras, mais pessoas estariam vivendo além dos cem anos apenas no papel, não na realidade.
O estudo, conduzido por Saul Justin Newman, pesquisador sênior do Centro de Estudos Longitudinais da University College London, não se concentrou especificamente nas zonas azuis. Em vez disso, Newman analisou bancos de dados de centenários e supercentenários dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Japão e depois procurou pontos quentes nesses países onde muitos deles viviam. Esses pontos quentes não se alinhavam totalmente com as zonas azuis, embora houvesse alguma sobreposição.
“Descobri que todos eles vinham de áreas pobres que geralmente tinham resultados terríveis na velhice, que tinham algumas das piores expectativas de vida de seus países. Todas as indicações eram de que essas altas densidades de supercentenários se deviam apenas à pobreza e à fraude”, diz Newman.
O pesquisador, que tem um histórico de criticar estudos de longevidade, afirma que baixas taxas de alfabetização e má organização resultaram na ausência de certidões de nascimento no início do século 20.
Como consequência, muitas pessoas mais velhas podem não saber quantos anos têm e, sem documentos legítimos, suas idades são virtualmente impossíveis de verificar. Em outros casos, um parente mais velho pode ter falecido, mas ninguém registrou a morte, então parece que a pessoa continua envelhecendo —e a família continua recebendo o cheque de pensão.
Análises independentes descobriram esses tipos de anomalias. Por exemplo, em 2010, o governo japonês revelou que 230 mil centenários estavam “desaparecidos” —provavelmente resultado de mortes não relatadas. (Um artigo subsequente argumentou que esses números foram exagerados.)
Newman acredita que as zonas azuis sofrem desses mesmos problemas e disse em entrevistas que elas são “o epítome” de uma má organização que infla o número de centenários.
Quando perguntado sobre o que ele pensa das conclusões de Newman, Buettner afirma que não ficou surpreso que algumas alegações de centenários sejam fraudulentas, mas insistiu que isso não estava acontecendo nas regiões que ele designou como zonas azuis.
Segundo o repórter, os métodos que ele e sua equipe de pesquisadores usam são rigorosos, envolvendo várias viagens às regiões para verificar registros de nascimento usando múltiplas fontes de informação e para entrevistar nonagenários, centenários e suas famílias. Acrescenta ainda que eles também investigaram outras áreas ao redor do mundo como potenciais zonas azuis, mas elas não atenderam aos critérios.
A teoria de Newman não foi amplamente aceita por outros acadêmicos, e seu artigo fazendo essas alegações ainda não foi publicado. Ele recentemente ganhou um prêmio Ig Nobel pela pesquisa —uma versão cômica dos Prêmios Nobel que homenageia “realizações tão surpreendentes que fazem as pessoas rir, e depois pensar”.
Nadine Ouellette, professora associada de demografia na Universidade de Montreal, que não está envolvida na marca Blue Zones, diz que os problemas levantados por Newman realmente existem. E quanto mais velha uma pessoa é, “mais questões você encontra em termos de precisão” de sua idade.
Mas, ela acrescenta, os demógrafos estão muito cientes dessas preocupações e, como resultado, trabalham para verificar a idade de pessoas muito idosas com múltiplas informações, não apenas com certidões de nascimento e óbito.
Além das críticas de Newman, duas das zonas azuis originais, Okinawa e Nicoya, podem não se qualificar mais como tal. Buettner argumenta que isso se deve ao fato de que seus modos tradicionais foram substituídos por dietas e estilos de vida modernos ao longo das últimas duas décadas. “Desde que comecei a estudar esses lugares”, lojas de conveniência e restaurantes de fast food surgiram, ele disse. “Isso parte o coração.”
“Eu acho que você pode esperar que todas essas zonas azuis desapareçam dentro de uma geração ou até mesmo meia geração”, diz Buettner.
Fonte: Folha de S. Paulo