Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já aprovada no Senado quer retomar parte da discussão da Reforma da Previdência de 2019 para obrigar estados e municípios a adotarem, ao menos, as mesmas condições do regime próprio dos servidores da União.
Cinco anos após a aprovação da mudança nas regras gerais da aposentadoria, alguns estados e a maioria dos municípios com regime próprio ainda têm critérios de acesso ao benefício mais brandos do que a União, prejudicando as finanças locais, segundo especialistas.
O texto da PEC 66 foi aprovado sem chamar muita atenção no Senado e agora está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele estabelece que os regimes próprios de previdência social (RPPS) dos estados, Distrito Federal e municípios seguirão as mesmas regras da União, exceto se adotarem “regras mais rigorosas quanto ao equilíbrio financeiro e atuarial”.
O projeto dá o prazo de 18 meses para que os governos regionais promovam alterações. Caso contrário, passa a valer imediatamente o ordenamento hoje vigente para os benefícios federais.
Idade mínima
Dentre as principais mudanças realizadas pela reforma está a idade mínima para aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, segundo a norma geral, válida para os trabalhadores da iniciativa privada e para o funcionalismo federal. Mas a PEC também se refere ao tempo mínimo de contribuição e regras de transição.
A Reforma da Previdência só obrigou os entes federativos a criarem regimes de Previdência complementar e a ajustarem a alíquota de contribuição, seja a progressiva adotada pela União (7,5% a 22%) ou uma taxa mínima de 14%.
Na prática, a PEC 66 quer retomar as regras vigentes até 2019, quando as condições de acesso ao benefício eram iguais para os funcionários públicos da União, estados e municípios. Havia liberdade apenas para definir as alíquotas de contribuição previdenciária e eventuais cotas extras para cobrir o déficit.
‘PEC paralela’
Na tramitação da reforma, a discussão sobre os servidores de estados e municípios foi separada da proposta original e colocada na chamada PEC paralela, que ficou travada na Câmara dos Deputados. Assim, os governos regionais ficaram livres para adotar as próprias regras, o que causa distorções por todo o país.
Das 27 unidades federativas, o Distrito Federal e mais seis estados (Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão, Pernambuco e Tocantins) não alteraram suas legislações. Dentre os municípios, são 2.092 que têm regime próprio, dos quais apenas 755 adequaram as regras à reforma previdenciária de 2019, ou 36,09%, segundo o painel de acompanhamento mantido pelo Ministério da Previdência Social. Nas capitais, a maioria também não atualizou o regramento: 15 de 26.
O economista Rogério Nagamine acrescenta que, dentre os estados que alteraram suas legislações, 12 estabeleceram regras mais brandas do que a União: Rondônia, Acre, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
— Tem muita regra diferente, fica uma salada. No caso dos municípios, o levantamento mostra que dois em cada três não fez reforma ou não o fez nos moldes da Emenda 103 (Reforma da Previdência). O ideal é que todo mundo tenha a mesma regra, mas os parlamentares não quiseram ter o ônus político com os servidores municipais e estaduais e ficou uma bagunça muito grande — diz Nagamine, lembrando que a pressão do funcionalismo é maior sobre prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais.
Equilíbrio fiscal
Segundo o ex-secretário de Previdência Leonardo Rolim, a diferenciação imposta está causando grandes injustiças e déficits previdenciários maiores nos locais em que não houve nenhuma reforma ou que as regras ficaram muito mais brandas.
Ele cita, por exemplo, que professores do ensino fundamental do Distrito Federal são beneficiados em relação aos seus pares de cidades goianas próximas que fizeram reformas, como Novo Gama, a menos de 1 hora do centro de Brasília, com cinco anos a menos para conseguir acesso à aposentadoria.
— O déficit atuarial dos municípios está em R$ 1,1 trilhão, o dos estados, em R$ 3,1 trilhões. Se somar o da União (R$ 1,5 trilhão), dá praticamente outra dívida do país — disse o ex-secretário da Previdência, acrescentando que a alíquota extraordinária média para cobrir o déficit é de 16% no país. — Não é por acaso que ninguém mais consegue fazer investimento em infraestrutura, só o básico e o obrigatório e mais ou menos um terço dos municípios não tem dinheiro para pagar o básico — completou Rolim.
Para ele, a medida prevista na PEC 66 é benéfica para os municípios e vai colocar “ordem na casa”. Nagamine avalia que a obrigação vai significar uma redução da despesa previdenciária no médio e longo prazo.
— É importante fazer a correção do retrocesso que teve em 2019 de aplicar regra diferente para os servidores estaduais e municipais — disse Nagamine.
Após a PEC paralela, já houve tentativas de igualar as regras para os servidores de todo o país, como a PEC 38, elaborada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e encampada por um grupo de deputados.
Dívidas previdenciárias
No caso da PEC 66, o texto original tratava apenas do parcelamento das dívidas previdenciárias dos municípios e da limitação do pagamento dos precatórios das prefeituras — ordens de pagamento decorrentes de decisões judiciais definitivas.
A adequação dos regimes próprios dos entes federativos à Reforma da Previdência foi incluída em substitutivo apresentado no plenário do Senado pelo relator, senador Carlos Portinho (PL-RJ). A mudança foi feita, segundo ele, após amplo diálogo com o Poder Executivo e sugestões por parte do Ministério da Fazenda.
A medida, porém, gera revolta entre servidores estaduais e municipais. O Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) manifestou preocupação com a proposta, especialmente na obrigação de realização de novas reformas pelos governos regionais, ainda que já tenham aprovado mudanças nos regimes próprios.
Para o Fonacate, há violação do pacto federativo e a autonomia dos entes subnacionais, “ao impor uma obrigação que desconsidera as peculiaridades e necessidades locais”.
— É importante lembrar que a Previdência não tem papel de fazer caixa ou dar lucro, ela é uma questão de benefício social. Então por que um estado ou município, que está com as contas em dia, tem que aumentar sua contribuição se não tem necessidade?
Fonte: O Globo