Um em cada quatro trabalhadores que pedem o seguro-desemprego ganha mais que dois salários mínimos (R$ 2.824 mensais). No entanto, esse grupo representa um terço da despesa com essa política, o equivalente a R$ 15 bilhões, segundo estimativas internas do governo.
A diferença entre as proporções não é mera estatística. Significa que um grupo está recebendo uma fatia maior no bolo total de gastos do que sua representatividade no número de segurados. Em outras palavras, há concentração de valores entre os que têm salários mais altos.
O recorte é ilustrativo do que está em jogo na discussão sobre eventual revisão das regras do seguro-desemprego. Esta é uma das apostas da equipe econômica para o cardápio de medidas de contenção de gastos que será levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas já enfrenta a oposição da ala política e das centrais sindicais.
A referência de dois salários mínimos está no radar de integrantes do governo como uma das possíveis linhas de corte para mudanças nas regras da política. Fazer essa delimitação poderia reduzir as resistências e permitiria, por exemplo, argumentar ao presidente que a maior parte dos trabalhadores —sobretudo os mais pobres— ficará blindada ante qualquer redução no alcance do seguro.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, 5,4 milhões de trabalhadores que solicitaram o seguro-desemprego em 2023 ganhavam até dois salários. Isso equivale a 75,7% do total de pedidos no ano passado.
A estimativa interna do governo é de que a despesa com esse grupo fique em R$ 31,3 bilhões neste ano, ou seja, 67,6% do gasto total. Os dados consideram apenas o seguro-desemprego devido ao trabalhador formal demitido sem justa causa, sem incluir empregados domésticos, pescadores artesanais, resgatados em situação análoga à escravidão e bolsa qualificação.
Os técnicos também trabalham em recortes alternativos. Trabalhadores que ganham acima de quatro salários mínimos (R$ 5.648 mensais) representam 4,66% do total de pedidos e 12,66% da despesa total com o benefício. A estimativa é que o gasto com esse grupo chegue a R$ 5,86 bilhões neste ano.
As propostas de revisão ainda estão em discussão dentro das equipes técnicas, mas há pelo menos três soluções possíveis.
Uma delas prevê descontar das parcelas do benefício o valor da multa sobre o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), pago pelos empregadores ao funcionário demitido.
Em um exemplo hipotético, pode-se considerar um trabalhador que faça jus a cinco parcelas de R$ 2.300 de seguro-desemprego e receba cerca de R$ 6.900 de multa sobre o FGTS. Em um dos cenários de mudança, ele teria o número de parcelas reduzido a duas, já que o valor da multa equivale às outras três prestações.
A avaliação é que, quanto maior o salário do trabalhador, maior tende a ser seu saldo no fundo de garantia e, consequentemente, o valor da multa —que seria abatido das parcelas, segundo a proposta.
Aplicar essa lógica para todos os trabalhadores teria um impacto significativo para as contas públicas, mas enfrentaria maior resistência política. Já a proposta de restringir a mudança a quem está acima de dois salários mínimos poderia ter maior aceitação e, ainda assim, render uma economia importante para o governo, pois mira num grupo que responde por uma despesa de R$ 15 bilhões.
Há quem defenda uma versão mais extrema: acabar com o seguro-desemprego para trabalhadores que ganham acima de dois salários mínimos. Isso significaria poupar todos os R$ 15 bilhões hoje repassados a esse grupo, mas poderia enfrentar maiores dificuldades para ser aprovada.
Há ainda uma ala que defende mesclar o fim do seguro-desemprego para faixas salariais mais elevadas e, para grupos com rendimentos intermediários, descontar do benefício o valor da multa do FGTS.
Uma segunda proposta em discussão é vincular o valor do benefício ao chamado mínimo constitucional, corrigido apenas pela inflação, separando-o do salário mínimo, que tem ganhos reais graças à política de valorização proposta por Lula. Essa medida, porém, também sofre resistências.
Uma terceira iniciativa em estudo é cobrar uma alíquota maior de PIS/Cofins daqueles setores com maior rotatividade, cujas dispensas impulsionam a demanda dos trabalhadores pelo seguro-desemprego.
Essa proposta, porém, não é considerada uma prioridade no momento porque ela serve apenas para reforçar receitas, sem abrir espaço dentro dos limites de despesa —uma das principais preocupações da equipe econômica para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal no futuro.
Há ainda outros ajustes no radar do governo, como a equiparação dos prazos para concessão do benefício. Hoje, o período de carência (tempo mínimo de trabalho para ter direito ao seguro) cai à medida que o trabalhador reincide na solicitação.
A avaliação de técnicos é de que não faz sentido cobrar mais tempo de quem nunca precisou da proteção e menos daqueles que fazem uso mais recorrente da política. Seria recomendável igualar os prazos, pelo menos, ou torná-los progressivos.
O leque amplo de possibilidades faz parte da estratégia da equipe econômica de tentar avançar com as mudanças. A leitura é de que o foco agora precisa ser convencer uma única pessoa: o presidente. A tarefa é delicada, pois a política mexe diretamente com trabalhadores e com o sindicalismo, segmento que foi o alicerce da trajetória política de Lula.
Na última quarta-feira (16), cinco das maiores centrais sindicais do país emitiram uma nota conjunta criticando as mudanças a partir de um dos principais motes da campanha do petista ao Palácio do Planalto em 2022.
“Reduzir o seguro-desemprego é excluir o pobre do Orçamento”, diz a nota, assinada por Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores) e CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros).
As entidades chamaram as discussões de “retrocesso” e cobraram uma posição de Lula “condizente com sua história”.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), que tem forte ligação com o PT, afirmou em nota na sexta-feira (18) estar “acompanhando com atenção” as discussões e disse ser historicamente contra a retirada de direitos trabalhistas.
A entidade informou que terá uma reunião com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) em 1º de novembro “para ouvir se há e o que há de debate sobre essas questões no âmbito do governo”.
Na terça-feira (15), a ministra Simone Tebet (Planejamento) disse que a equipe econômica pretende encaminhar a revisão de políticas em três pacotes e que apenas uma das propostas analisadas pode render, sozinha, uma economia de até R$ 20 bilhões.
Fonte: Folha de S.Paulo